Por José Paulo Cavalcanti Filho – Escritor, poeta ,membro da Academia Pernambucana de Letras e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade.
… Seja como for, há hoje dois Fideis à espera de sepultura.
Velha regra da cavalaria manda que cesse a peleja quando o combatente não pode mais lutar. Por essa razão nossos mortos são preservados, sempre. Dado não poderem se defender. Cabe à história julgá-los. Em palavras de Álvaro de Campos (“Ode Triunfal”), com Todo o passado dentro do presente/ E todo o futuro já dentro de nós. Seja como for, há hoje dois Fideis à espera de sepultura.
O primeiro é o da Revolução. Ele e Che Guevara eram como a vida real e o sonho. Andando sempre juntos. Com o Che no papel de Quixote. Diferente do companheiro, findou seus dias na Bolívia. Em 1967. Abandonado e só. Tentando reproduzir a Sierra Maestra de Cuba. Ainda hoje permanecem nas nossas retinas aquela foto de jornal, corpo vazado por balas e olhos negros abertos. Como quem procura o horizonte inatingível. Enquanto Fidel parecia mais um Sancho Pança. Só que, diferente do espanhol, era também capaz de sonhar sonhos grandiosos.
Esse primeiro Fidel foi o que derrotou Batista. O que deu rosto aos desejos de independência da sua gente. O que foi fiel a suas crenças sociais. O que sobreviveu a um embargo comercial insensato dos Estados Unidos. Sua trajetória se confunde, por tudo, com a luta libertária dos povos da América Latina. Esse Fidel morreu faz tempo.
Esse primeiro Fidel foi o que derrotou Batista. O que deu rosto aos desejos de independência da sua gente. O que foi fiel a suas crenças sociais. O que sobreviveu a um embargo comercial insensato dos Estados Unidos. Sua trajetória se confunde, por tudo, com a luta libertária dos povos da América Latina. Esse Fidel morreu faz tempo. O comandante e seu sonho. Foi sua primeira morte.
O segundo Fidel é aquele que não compreendeu bem os limites do seu papel. Convertendo-se em verdugo do seu próprio povo. E sem conseguir, ou querer, transformar a Revolução em um arremedo de democracia. Não há ditaduras de esquerda ou de direita, meus senhores. Existem apenas ditadores. Como ele foi. Pouco antes de transferir o poder a seu irmão Raul, fiquemos só num exemplo, ele puniu 78 intelectuais com penas de até 28 anos de prisão. Por delitos de opinião. E outros 3 condenou à morte. Fuzilados como Guevara. Sacco e Vanzetti caribenhos. Pobres cubanos que apenas queriam escapar da ilha. Escapar de Fidel. E pagaram esse desejo compreensível com suas próprias vidas.
O segundo Fidel é aquele que não compreendeu bem os limites do seu papel. Convertendo-se em verdugo do seu próprio povo. E sem conseguir, ou querer, transformar a Revolução em um arremedo de democracia…
Beethoven dedicou a Napoleão, então preso em Alba, sua 3ª Sinfonia – dita “Heroica”. Depois, o corso voltou ao poder e tornou-se um sanguinário. A dedicatória foi riscada. E, em seu lugar, o músico escreveu: Composta para celebrar a memória de um grande homem. Para celebrar um homem que morreu e agora vive só na minha memória. Palavras que bem poderiam ser usadas hoje, trocando só o destinatário.
Qual dos dois Fideis vai sobreviver?, eis a questão. É cedo para saber. Hitler recuperou uma Alemanha despedaçada; mas ficou, apenas, como um assassino frio de judeus. Enquanto Getúlio Vargas, que ascendeu ao poder numa espiral autoritária, permaneceu pelos compromissos com os trabalhadores. E por ser responsável pelas bases econômicas de um Brasil moderno.
…Qual dos dois Fideis vai sobreviver?, eis a questão.