Desembargadores disseram que matéria visava “mostrar a vida difícil” de prisioneiras transexuais, “não os seus crimes”
A 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo derrubou a indenização de R$ 150 mil que a Rede Globo e o médico Dráuzio Varella deveriam pagar ao pai do garoto de 9 anos que foi estuprado e assassinado pela detenta travesti, Suzy Oliveira. Em decisão unânime, os desembargadores disseram que a finalidade da reportagem era “mostrar a vida difícil” de prisioneiras transexuais, “não os seus crimes”.
– Admitir as suas alegações [do pai do menino morto por Suzy] é direcionar a reportagem ao sabor da sua vontade pessoal, de forma a desvirtuá-la. Nela, realmente, não se menciona o crime sofrido pelo filho do autor, nem o nome da vítima. Nem deveria, pois tinha por finalidade mostrar a vida difícil das “mulheres trans” nas prisões brasileiras, a precariedade do sistema penitenciário brasileiro, além do preconceito contra as suas pessoas”. “Não seus crimes” – afirmou o relator do recurso, Rui Cascaldi.
Suzy apareceu no programa Fantástico em março de 2020 durante uma reportagem sobre transsexuais nos presídios brasileiros. Na época, seu depoimento chamou atenção após a prisioneira contar que não recebia visitas há 8 anos, e trocar um abraço com Drauzio ao fim da matéria.
Na ação, o pai da criança assassinada diz ter vivido um novo abalo psicológico ao reviver os fatos, e diz que Suzy recebeu “piedade social”. Após a reportagem, crianças chegaram a escrever cartas de apoio endereçadas à detenta.
Na decisão que instituiu a multa, a juíza Regina de Oliveira Marques avaliou que a reportagem foi negligente ao não “procurar conhecer os crimes cometidos por seus entrevistados” e retratá-los como “meras vítimas sociais”. A magistrada também ressaltou que o conteúdo provocou “situação aflitiva com implicação psíquica” ao pai da criança.
A Globo, por sua vez, decidiu recorrer da sentença, sob a justificativa de que a matéria visava falar sobre a “miséria de presos. Jamais dos crimes que cometeram”. O recurso foi atendido pelos desembargadores, que consideraram que relatar os crimes tiraria o foco da reportagem e a tornaria uma “odiosa execração pública daquelas que estão a pagar pelos seus crimes”.
– É, na verdade, lícito, porque a nossa Constituição Federal garante condições dignas ao preso (“[no] art. 5º, inciso XLIX é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”), estando a reportagem, justamente, a denunciar as más condições vividas pelas detentas. Nada mais legítimo! – assinalou Cascaldi.