Apesar da pressão popular sobre o poder público, o cinema continua fechado e sem perspectiva de retorno
Quem chega ao Sítio Histórico de Olinda recebe as boas vindas de um prédio branco, de arquitetura art-déco, com visual tão antigo quanto à própria idade centenária. Localizado na Avenida Sigismundo Gonçalves, ao lado da Praça João Pessoa, no bairro do Carmo, o Cine Olinda passou mais tempo fechado que aberto ao público desde que foi fundado em 1911, sob o nome de Cine Theatro de Variedades. O equipamento público, que está sem a sala de exibição desde 1980, chegou a ter atividades culturais em 2016 com o Ocupe Cine Olinda. Apesar da pressão popular sobre o poder público, o cinema continua fechado e sem perspectiva de retorno após quase seis anos.
Embora seja um importante equipamento para a rotina cultural da Cidade, o Cine Olinda está há cinco décadas sem atividades concretas para a exibição de filmes. O cinema teve seu auge sob a gerência do artista plástico Bajado, que produzia os cartazes das películas exibidas desde 1932. Data-se que a sua relação com o patrimônio foi até 1965, justamente no ano em que houve a paralisação cultural dele. Ele foi retomado na década de 1980, rebatizado de Cine Bajado, porém foi paralisado em seguida. Dali, ele nunca mais foi um cinema. Já foi boliche, tornou-se depósito de açúcar e chegou a ser um alojamento para desabrigados.
Com o intuito de pressionar o poder público no resgate do patrimônio, o movimento Ocupe Cine Olinda chegou a realizar atividades culturais, assembleias e tratativas com gestões municipal e estadual para que houvesse a conclusão das obras em 2016. “A ocupação era uma coletividade de várias pessoas da cidade. Foi uma ocupação muito importante, porque colocou o cinema para cinema para funcionar. Fizemos a exibição de mais de 100 filmes. Convidamos escolas, fizemos passeios com professores e criamos um slogan ‘Cine Olinda de Portas Abertas’ para tornar aquele prédio público e para a cidade ocupar”, afirmou Débora Britto, jornalista que na época trabalhava em uma ONG que apoiava institucionalmente a movimentação.
A ocupação foi um marco importante para a visibilidade do cinema. Durante três meses – com o auxílio de advogados populares -, o movimento manteve diálogo com a Prefeitura de Olinda e Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) para alinhar alguns pontos quanto à gestão da sala de exibição. “Durante as reuniões, a gente de fato sentou com a Fundarpe e a prefeitura em diálogo para sugerir que o cinema tivesse uma gestão como se fosse um conselho composto pela sociedade civil, com pessoas que compunham a ocupação, mas abrindo uma convocatória para pessoas da sociedade. A ideia era que fosse uma gestão também pela sociedade, já que eles diziam que havia vários empecilhos. Aí foi colocada a promessa que o cinema iria ter alguns reparos e funcionaria em alguns meses”, explica Débora.
Em dezembro de 2016, houve reuniões importantes com a prefeitura, a Fundarpe, o Ministério Público da União e IPHAN. A desocupação do prédio só aconteceu após a Secretaria de Cultura do Estado prometer a revitalização do espaço naquele mesmo mês. A reforma estava orçada em R$ 2 milhões, entretanto, nunca ocorreu. “Depois de reformado, pelo acordo com a prefeitura, o cinema será operado por um ano pelo Estado”, disse Márcia Souto, a presidente da Fundarpe na época.
No fim de 2018, o Governo de Pernambuco lançou um edital para a recuperação Cine Olinda, com recursos na ordem de R$ 1,6 milhão. Três anos depois, não houve nenhuma mudança. Procurada, a Fundarpe disse que a responsabilidade do prédio é da Prefeitura de Olinda, mas que se mantém em diálogo com a gestão municipal para colaborar na revitalização. “No entanto, a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) segue em tratativa com a prefeitura para a criação de um novo convênio no sentido de colaborar com repasse de recursos para a revitalização do cinema, cabendo à Fundarpe fiscalizar a execução do plano de trabalho proposto e à Prefeitura de Olinda a realização do processo licitatório e execução da obra”, disse em nota.
Já a gestão municipal sinalizou que também mantém diálogo com o Estado, mas não deu prazo nem expectativa para que a obra seja concluída. “A Secretaria de Patrimônio, Cultura e Turismo (Sepactur) de Olinda informa que vem mantendo entendimentos com o Governo do Estado para celebração de um convênio, a fim de reestruturar o Cine Olinda. O montante pleiteado pelo município é de R$ 1,5 milhão. A Sepactur reforça ainda que o equipamento é de extrema importância para o acervo histórico da cidade”, apontou em comunicado.
Em 2020, a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) enviou um ofício ao prefeito Lupércio para assumir a gestão do cinema. A Fundaj, que atualmente administra salas de exibição no Derby, Casa Forte e no Porto Digital, afirmou, na época, que se o interesse fosse confirmado poderia começar imediatamente os estudos técnicos para revitalizar o prédio. A instituição afirmou que tem condições em assumir a casa de exibição, mas não houve cessão do espaço por parte da Fundarpe e Prefeitura de Olinda.
“A Fundação Joaquim Nabuco já demonstrou interesse em assumir o Cine Olinda. Temos condições de colocá-lo para funcionar e oferecer uma programação de qualidade ao público, assim como fazemos em nossas três salas – Derby, Casa Forte e Porto Digital. Para que isso aconteça é necessário que a Fundarpe e a Prefeitura de Olinda cedam a gestão do espaço à Fundaj. Já enviei mais de um ofício nesse sentido. E reitero a disposição da Fundaj em assumir a gestão”, apontou o presidente da Fundaj, Antônio Campos, em nota enviada ao JC.
Cópia do ofício enviado à Fundarpe, pelo presidente da Fundaj, escritor Antônio Campos
Vida cultural afetada
Com o cinema parado, quem mais sofre é a população. Hoje, não há cinema de rua em Olinda, considerada a 1ª Capital Brasileira da Cultura. “Lamento muito que um cinema centenário, datado em 1911, esteja numa situação tão precária há tantos anos. Desses 100 anos, a gente percebe que o cinema está fechado metade dele. É um cinema que está localizado na entrada da cidade, considerada Patrimônio Histórico da Humanidade”, lamenta Almir Cunha, de 29 anos, que é jornalista e ativista cultural da cidade de Olinda.
Como exemplos de sucesso, ele cita alguns equipamentos públicos que funcionam como um motor para o cinema de rua local. “É um privilégio para poucos. A gente vê o São Luiz resistindo ao tempo, sendo reformado e revitalizado, com seu uso para festivais. A gente vê o Cinema da Fundação, no Derby e em Casa Forte, exibindo filmes pernambucanos e promovendo festivais. Olinda tem esse caráter cultural e artístico que estamos perdendo com o tempo por ter equipamentos importantes para o seu devido usado, como é o caso do Cine Olinda”, conta Almir.
Novas gerações resgatam
Apesar do cinema não estar fechado há 40 anos, as novas gerações resgatam a memória afetiva com o lugar. Como é o caso do designer gráfico Célio Gouveia, de 28 anos, que fez seu trabalho de conclusão de curso voltado a desenvolver a identidade visual da sala de exibição. “Eu vi no Cine Olinda uma oportunidade de fazer a identidade visual para um equipamento cultural importante para a cidade e também ao mesmo tempo jogar luz nesse equipamento que está fechado. Quando eu comecei a pesquisar sobre aquele letreiro de cima que é muito marcante, vi que ele é de Bajado – um artista de Olinda que foi funcionário do cinema e produzia os cartazes. O letreiro foi de Bajado, que desenhou e a equipe da obra fez com argamassa”, aponta Celio, que é envolvido com outras atividades culturais no Sítio Histórico, como o Elefante de Olinda.
“Eu decidi fazer esse trabalho justamente para dar visibilidade, nem que seja pequena na faculdade, para levar para as pessoas conhecerem a história do cinema. E a camisa que eu fiz, que as pessoas acabaram adquirindo, foi ótimo porque elas começaram a andar com o cinema na camisa e isso faz as pessoas terem orgulho daquele espaço na cidade por mais que ele estivesse fechado. E quem sabe sirva para jogar luz nessa questão”, enfatizou Célio sobre o trabalho produzido.
Assim como parte dos jovens da cidade, o designer só teve contato com o cinema a partir da ocupação em 2016. “Eu acabei indo na ocupação assistir filme. Eu entrei no cinema e nem sabia como ele era bonito por dentro. A gente só via por fora e já me encantava. Dentro, ele tem uma arquitetura muito bonita, colorida em volta da tela. Quando teve a ocupação, eu assisti filme lá e participei de atividades fora, mas nunca participei da organização”, pontua.
Com informações do JC/ON-Line