Agradeço a Deus por ser ateu. Se eu fosse religioso seria obrigado a, antes de mais nada, escolher um deus para cultuar, tamanha é a quantidade de deidades que existem, incluindo as afrodescendentes e as de seitas esotéricas menos conhecidas. Escolhida a religião, eu teria que me familiarizar com suas doutrinas e aceitar mesmo as que desafiam o bom senso ou as leis da física. História pessoal: minha mãe católica ia à missa todos os domingos, meu pai era agnóstico, eu fui católico praticante até os 14 anos – praticante mesmo, de fazer a primeira comunhão vestindo a primeira fatiota, tendo cuidado para não morder o corpo de Cristo na hóstia e pensando nos doces que nos esperavam em casa depois da cerimônia – mas aí perdi a fé, acho que num bolso da fatiota. Me rebelei no meio do caminho. Mas me lembro dos doces, que eram ótimos.
Vendo o vídeo do Bolsonaro sendo batizado nas águas do Rio Jordão, anos atrás, me lembrei da vez em que estive no mesmo lugar, numa rápida passagem por Israel. Não, não entrei na água, mas muitos fiéis faziam fila para entrar, e serem submergidos no mesmo bálsamo sagrado com que João Batista um dia ungira Jesus, no que não deixava de ser uma cena emocionante. Entrei na loja de “souvenirs” que tem ao lado do local dos batismos no rio ainda enlevado pelo espetáculo de devoção coletiva que acabara de presenciar, talvez até a meio caminho de uma conversão como a epifania do apóstolo Paulo na estrada para Damasco, quando vi, logo na entrada da loja, uma pilha de objetos que não demorei em identificar. Eram reproduções da coroa de espinhos que martirizara Jesus no caminho da cruz – feitas de plástico!
As coroas estavam tendo uma boa saída. Decidi que não encontraria nada que me interessasse na loja de “souvenirs” muito menos uma epifania. Um jogo que você pode fazer é cotejar tudo de bonito que devemos à Igreja, de catedrais barrocas a missas do Bach, e tudo de horroroso, da Inquisição a coroas de espinhos feitas de plástico.