Aproxima-se o rompimento de Bolsonaro com a Lava Jato?

Eleito com discurso de defesa intransigente da Lava Jato, presidente agora contraria bandeiras da operação e age nos bastidores para enfraquecê-la

Aproxima-se o rompimento de Bolsonaro com a Lava Jato?
Ex-integrante da força-tarefa engrossa coro de bolsonaristas arrependidos (Foto: Alan Santos/PR)

Leandro Aguiar

Em entrevista à GloboNews, o procurador Carlos Fernando, ex-integrante da força-tarefa da Lava Jato, admitiu que Jair Bolsonaro (PSL) era, nas eleições de 2018, o candidato preferido de grande parte dos membros da operação.

“Fernando Haddad (PT) representava tudo aquilo que nós estávamos tentando evitar, que era o fim da operação”, opinou, engrossando o coro dos bolsonaristas arrependidos: “agora, infelizmente, o Bolsonaro está conseguindo fazer”.

Dias depois, Fernando detalhou, em sua página nas redes sociais, a sua visão sobre a relação do presidente com o que ele chamou de “acordão” para colocar fim à Lava Jato: “Bolsonaro, para proteger o filho [o senador Flávio Bolsonaro] escolhe para a PGR [Procuradoria-Geral da República] alguém sem compromisso com a instituição”.

De fato, a possibilidade de ignorar o principal critério para a escolha da PGR – a lista dos três candidatos mais bem votados em eleição interna do Ministério Público – é um sinal entre vários do distanciamento de Bolsonaro de bandeiras defendidas pelos procuradores da Lava Jato.

A tendência hoje é que a autonomia do MP em escolher seus líderes, apontada por muitos como o embrião de operações de combate a corrupção, seja deixada de lado pelo presidente, que deve nomear alguém próximo de sua família – e de seus valores reacionários – para a PGR.

Outra pauta apoiada por lavajatistas, a autonomia da Polícia Federal também não está nos planos de Bolsonaro. De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, em reunião com deputados do PSL, o presidente deixou claro que é contra um projeto de lei – defendido pelo seu partido – que trata do tema.

Não à toa, a última manifestação de rua convocada por movimentos lavajatistas, como o Vem Pra Rua, não contou com convocatórias nas redes sociais de Bolsonaro e seus filhos.

Bem menor que atos anteriores, os protestos pediam o veto integral do presidente à Lei de Abuso de Autoridade aprovada na Câmara dos Deputados. Bolsonaro, contudo, já avisou que não vetará a lei como um todo – ele teme que, se o fizer, seu filho, Eduardo Bolsonaro (PSL), a quem pretende nomear embaixador nos Estados Unidos, tenha seu nome barrado na sabatina no Senado.

Outro divisor de águas na “lua de mel” entre o governo e a Lava Jato envolve, novamente, Flávio Bolsonaro, o senador e filho do presidente suspeito de corrupção. Graças a uma decisão do ministro do STF Dias Toffoli, foram suspensas as investigações que usavam dados do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) obtidos sem autorização judicial. Antes, cabia ao Coaf informar os órgãos competentes sobre movimentações bancárias incomuns, inclusive se envolvendo nomes de políticos com foro privilegiado.

A decisão foi comemorada pelo clã de Bolsonaro. Já os procuradores da Lava Jato lamentaram, afirmando que ela põe em risco toda a estrutura da operação. João Paulo Ramos, ex-subsecretário-geral da Receita Federal, foi outro que criticou a suspensão do uso dos dados do Coaf. Dias depois, foi demitido do cargo.

Cabe lembrar: a autonomia do Coaf foi uma das principais promessas de Bolsonaro feita a Sergio Moro para que ele aceitasse o cargo de ministro da Justiça. O presidente, no entanto, apoiou a transferência do órgão para o Ministério da Economia. Por fim, Roberto Leonel, indicado por Moro para chefiar o Coaf – e que trabalhou com o ex-juiz da Lava Jato em investigações anteriores – foi demitido após pressão do Planalto.

As derrotas sucessivas do ministro levaram os apoiadores digitais do presidente a questioná-lo nas redes sociais: Bolsonaro deveria “cuidar de Moro”, pediu um internauta. Ao que o ex-capitão do PSL, significativamente, respondeu: “Moro não esteve comigo na campanha [eleitoral]”.

Não por coincidência, o desgaste na relação entre Bolsonaro e Moro se intensifica em um momento em que a Lava Jato se encontra acuada pela revelação de mensagens comprometedoras envolvendo membros da força-tarefa.

O ex-juiz Moro, antes defendido de maneira intransigente pelo governo, agora é visto como um adversário natural nas eleições presidenciais de 2022, o que explica as ações do Planalto para enfraquecê-lo em seu ministério – muito embora, em público, o presidente reafirme que o ministro é “patrimônio nacional”.

Com a moral em baixa, o ministro da Justiça mal consegue conter as evidentes tentativas de Bolsonaro de intervir na Polícia Federal – como foi dito em texto anterior, o presidente quer mudar a direção da PF, responsável pela investigação sobre seu filho no Rio de Janeiro.

Questionado pela GloboNews, Moro respondeu sobre a possível troca de comando na corporação. Maurício Valeixo, diretor da PF nomeado por ele, “permanece no cargo”, disse, acrescentando uma evasiva: “mas as coisas eventualmente podem mudar”.

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