Veja como transformar o sentimento, que pode ser bastante destrutivo, em um estímulo para um recomeço
Essa é a história de um paciente do psicanalista David Morgan, do Instituto de Psicanálise da Sociedade Britânica de Psicanálise, que por vários anos o ajudou a entender por que havia trabalhado tanto e ambicionado ficar rico. Na infância, ele havia visto seus pais quase morrerem de fome durante a greve dos mineiros na década de 1980. Inconscientemente, em sua obsessão para superar o trauma da pobreza, ele rejeitara o amor da família.
“Ao perceber o que o levara a agir daquela forma, seu sentimento de culpa diminuiu e ele sentiu que poderia se aproximar da família, porque não repetiria os erros do passado”, disse Morgan.
“O arrependimento pode ser um sentimento destrutivo. Muitos pacientes fazem terapia porque se sentem atormentados pela culpa de terem feito escolhas erradas, seja profissionalmente ou nos relacionamentos. Em alguns casos, o remorso é tão profundo que as pessoas se autoflagelam e perdem todo o entusiasmo pela vida”, observou Morgan.
O terapeuta cognitivo-comportamental Windy Dryden disse que quando as pessoas ficam presas no ciclo de intransigência e falta de indulgência em relação a si mesmas, elas não conseguem situar a culpa em um contexto mais amplo, no qual as circunstâncias influenciaram um determinado comportamento.
No entanto, para algumas pessoas o remorso por ter cometido um erro pode se transformar em uma espécie de proteção contra o sofrimento e os riscos de uma vida plena. Catriona Wrottesley, psicanalista da Tavistock Relationships London, observou que o arrependimento pode ser usado como “uma defesa contra o amor”.
A fim de explicar sua teoria, Wrottesley descreveu um cenário composto de vários pacientes anônimos: uma mulher, a quem chamou de Amy, depois de terminar um casamento longo, se arrependeu de ter se casado tão jovem e de ter mantido um casamento falido por tanto tempo. Decidida a recomeçar sua vida afetiva, se inscreveu em diversos sites de relacionamento. “Mas ela sempre encontrava defeitos nos homens com quem saía. Embora quisesse conhecer alguém, inconscientemente, com suas críticas Amy se protegia de uma possível repetição do erro cometido em seu casamento”.
Assim que Amy percebeu que deveria arriscar, ela começou a repetir os encontros com os homens que conhecia nos sites, mesmo não sendo seu tipo ideal. A experiência lhe ensinaria a não cometer os erros do passado.
Segundo Dryden, para que o arrependimento não se torne uma fonte constante de sofrimento, é preciso ser mais tolerante em relação a si mesmo. Em vez da frase repleta de certeza, “Eu não deveria ter feito isso”, que ele chama de “a inimiga do aprendizado”, a frase correta seria, “Por que agi dessa forma?”.
Porém, essa autoaceitação dos erros cometidos não é um processo tão fácil como sugeriu Dryden. A psiquiatra Carine Minne atende pacientes no Tavistock and Portman NHS Foundation Trust e em um hospital de segurança máxima onde alguns dos detentos são autores de crimes violentos. Nas sessões de terapia, ela os incentiva a falar sobre suas infâncias traumáticas e acerca dos crimes que cometeram. “Tento ajudá-los a desenvolver uma consciência de quem são e do que fizeram”, disse.
Durante o longo período de tratamento, entre cinco a dez anos para pacientes com problemas psíquicos mais graves, em alguns casos os detentos se arrependem de seus atos e lamentam o mal que causaram aos outros.
“É um momento doloroso. Já vi homens soluçando de remorso. Lembro-me do dia em que um homem, que nunca havia chorado em anos de terapia, olhou-me com os olhos marejados e disse que havia um oceano de lágrimas por derramar”.
Mas, apesar da dor, o arrependimento é uma porta aberta para uma nova vida, na qual aprendemos com nossos erros e vivemos em harmonia com os outros e com o mundo.
Fonte:
The Guardian-Regret can seriously damage your mental health – here’s how to leave it behind