50 anos do massacre contra o PCB: Uma pátria com cicatrizes abertas

Por memória, justiça e reparação: o projeto de aniquilação do PCB em 1975 ainda ecoa nos corpos e na história. E a Praça de Casa Forte, no Recife, permanece como testemunha viva da barbárie militar.

  Em 1975, há exatos 50 anos, o regime militar brasileiro intensificou sua campanha mais brutal contra o Partido Comunista Brasileiro (PCB), então a principal força hegemônica da esquerda no país. Era o ápice do projeto de “cerco e aniquilação”, como batizaram os próprios órgãos da repressão. Com mandados de prisão, sessões de tortura, execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados, a ditadura queria extirpar da vida nacional a presença do comunismo — mas o que acabou extirpando foram vidas, sonhos e uma chance legítima de construção democrática popular.

O PCB, mesmo diante da brutalidade, tentou reagir nos primeiros anos após o golpe de 1964, esboçando articulações com setores nacionalistas e progressistas das Forças Armadas. Mas a repressão foi célere e implacável. A luta armada, que em outros grupos se tornou estratégia, no PCB esbarrou na análise prudente — e infelizmente subestimada — de que seria possível uma saída democrática negociada.

 (Latuff)

Dentre tantos nomes perseguidos e violentados pela repressão, um grita mais alto, especialmente para os pernambucanos e para os que viveram de perto sua história: Gregório Bezerra, símbolo de coragem, resistência e dignidade.

Camponês, autodidata, militante comunista e deputado constituinte em 1946, Gregório foi preso diversas vezes por defender a Reforma Agrária e os direitos dos trabalhadores. Mas nada se iguala à selvageria que sofreu em abril de 1964, quando foi brutalmente torturado no Recife.

Sob ordens do coronel Darcy Ursmar Villocq Vianna — o conhecido coronel Villocq — Gregório foi amarrado pelo pescoço a um jipe militar e arrastado pela Praça de Casa Forte, diante de uma multidão. O objetivo era o espetáculo da humilhação pública, o aviso aos insurgentes: assim tratamos quem ousa levantar a voz. Foi uma das cenas mais vergonhosas e hediondas do regime militar. E uma das mais corajosamente lembradas por quem se recusa a compactuar com o esquecimento.

(Foto: Reprodução)

Anos mais tarde, já em tempos de abertura democrática, tive a honra de conhecer pessoalmente Gregório Bezerra, após seu retorno do exílio na Argélia. Ao lado do saudoso companheiro Rubem Valença, participei ativamente de sua campanha à Câmara dos Deputados, em 1982, quando ele se candidatou pelo PMDB e foi eleito suplente. A partir daí, tornamo-nos amigos e admiradores incondicionais de sua trajetória. Conhecíamos de perto suas dores, suas cicatrizes e sua fibra. Gregório era feito de ‘ferro e de flor’ — e sua dignidade ainda ilumina os que não aceitam o silêncio como destino.

O ataque de 1975 ao PCB buscou mais do que dissolver uma legenda partidária — foi uma tentativa deliberada de apagar uma trajetória de lutas. Figuras como Luiz Ignácio Maranhão Filho, Diógenes Arruda Câmara, Carlos Danielli e tantos outros foram presos, torturados ou mortos sem jamais ter direito de defesa. Era o extermínio político e humano de uma ideia: a de que o Brasil podia ser outro país — menos desigual, mais justo, mais soberano.

O PCB foi alvo porque representava a organização real da classe trabalhadora, dos camponeses, dos estudantes, dos professores, dos operários. O que a ditadura perseguiu foi um projeto de país.

Porque o esquecimento é o último instrumento do torturador. Porque Gregório Bezerra ainda vive nas ruas que percorreu com coragem, nas praças que seu corpo ferido tocou, e na memória de quem caminhou com ele e comungou de seus ideais.

Cinquenta anos depois, o massacre do PCB é uma ferida que pulsa. Não apenas por justiça aos mortos, mas para que os vivos saibam que a democracia não se sustenta no silêncio, e que a liberdade não é concessão: é conquista.

Gregório Bezerra nos ensinou com o corpo o que significa resistir. Que jamais sejamos cúmplices de sua segunda morte — a do esquecimento.