O declínio da música brasileira no ranking do YouTube e os desafios da contemporaneidade. Por Flávio Chaves

Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc   

Na última terça-feira, dia 3 de dezembro de 2024, o YouTube revelou a lista dos vídeos mais assistidos da plataforma, e o ranking de videoclipes trouxe à tona uma reflexão inquietante sobre a música brasileira atual. Três gêneros dominaram as 10 primeiras posições: funk, sertanejo e gospel. Entre os destaques, constam gravações ao vivo, como os shows de Felipe e Rodrigo, Simone Mendes, Lauana Prado, e o fenômeno gospel de Kailane Frauches. No entanto, a predominância desses gêneros em um ano como 2024 levanta uma questão essencial: o que está por trás da decadência musical que parece assolar a contemporaneidade?

A música sempre foi um reflexo da sociedade, e os sucessos atuais do YouTube não são diferentes. Porém, o que vemos nas paradas de sucesso reflete uma pobreza de valores e uma desvalorização dos talentos artísticos genuínos. Ao examinar a lista de músicas mais assistidas, o que se percebe é uma falta de inovação, complexidade e profundidade. Ao invés de obras que desafiem as fronteiras musicais, ouvimos músicas que priorizam a repetição de fórmulas comerciais e uma produção baseada em apelo fácil ao grande público.

Entre os vídeos mais assistidos, destacam-se:

  1. THE BOX MEDLEY FUNK 2 – MC Brinquedo, MC Cebezinho, MC Tuto, MC Laranjinha
  2. Gosta De Rua (Ao Vivo) – Felipe e Rodrigo
  3. Dois Tristes (Ao Vivo) – Simone Mendes
  4. Passa Lá em Casa Jesus – Kailane Frauches
  5. Me Leva Pra Casa / Escrito Nas Estrelas / Saudade (Ao Vivo) – Lauana Prado
  6. Torre Eiffel (Ao Vivo) – Manu, Guilherme & Benuto
  7. Bênçãos Que Não Têm Fim (Counting My Blessings) – Isadora Pompeo
  8. Melhor Vibe – MC Ryan SP, Filipe Ret, Caio Luccas, Chefin Dallass, Rocco
  9. Casca de Bala – Thullio Milionário
  10. Haverá Sinais – Jorge & Mateus, Lauana Prado

O funk, com seu apelo massivo, segue com grande relevância, mas ao mesmo tempo, se distancia da música brasileira mais autêntica, com letras que frequentemente se limitam a estereótipos e glorificam comportamentos problemáticos. O sertanejo, embora ainda tenha seu charme e relevância cultural, muitas vezes peca pela falta de inovação, repetindo fórmulas que deixam pouco espaço para a reinvenção da própria tradição. O gospel, por sua vez, embora represente uma vertente religiosa e tenha seu valor, se destaca principalmente por suas versões de shows ao vivo e sua popularização através de artistas como Kailane Frauches, uma evidência do movimento de massificação de estilos musicais para grandes públicos.

Esse cenário levanta uma série de questões sobre o que levou a música brasileira a chegar a esse ponto. Como uma nação que já exportou grandes nomes da música, de Milton Nascimento a Taiguara, Geraldo Vandré e Renato Teixeira, Gilberto Gil e Caetano Veloso, Toquinho e Nara Leão a Elis Regina e Chico Buarque, o que aconteceu para que a qualidade musical fosse tão comprometida? O que se pode afirmar é que a música brasileira, atualmente, sofre com a massificação do mercado, em que artistas são muitas vezes vistos não por seu talento, mas pela quantidade de views e seguidores que conseguem gerar. Em um mundo cada vez mais consumista, a indústria musical se molda às tendências digitais, onde o número de cliques e visualizações é um reflexo do sucesso comercial.

O declínio da qualidade da música pode ser atribuído a uma série de fatores, como a comercialização exagerada da música, onde as grandes gravadoras e plataformas de streaming priorizam hits de apelo imediato e fácil, em detrimento da profundidade artística. Além disso, o afastamento das raízes culturais, com a música brasileira mais autêntica sendo deixada de lado, enquanto gêneros mais superficiais ganham força, também contribui para esse cenário. A busca incessante pela aprovação das massas, alimentada pelo consumo rápido e pela validação digital, muitas vezes leva à superficialidade nas composições. A falta de uma formação musical sólida, com ênfase na educação e desenvolvimento de novos artistas, também é um fator relevante, já que muitos acabam optando por seguir caminhos mais fáceis e amplamente aceitos. Outro ponto importante a ser considerado é a influência da baixa qualidade cultural transmitida pelos programas televisivos que são entregues à população, promovendo conteúdos que reforçam estereótipos e limitações artísticas. O baixo nível do êxito educacional nas escolas, com o despreparo da adolescência e juventude, também tem um papel crucial nesse processo, pois uma população sem uma base educacional forte tende a consumir o que é mais raso e imediato, sem questionar ou valorizar a verdadeira arte.

O que pode ser feito para reverter essa situação? A resposta está na retomada de uma educação musical mais profunda, que incentive o estudo das nossas raízes culturais e a busca por inovação. Também é essencial que o público se engaje mais com a qualidade da música e não apenas com os números de sucesso digital. Os consumidores de música, influenciados pelas plataformas digitais, podem se tornar mais exigentes, buscando e apoiando artistas que tragam algo novo, que desafiem as convenções e que celebrem a riqueza da cultura brasileira.

O fim do ciclo de mediocridade só será possível se os músicos, produtores e consumidores se unirem na busca por uma música de mais qualidade, mais autenticidade e mais representatividade. Se a música brasileira deseja sair dessa espiral decadente, é necessário um esforço conjunto para resgatar a arte que sempre foi a grande identidade do Brasil.