Mais um pouco de vinho para mim, por favor. Por Flávio Chaves

Por Flávio Chaves – Jornalista, escritor, poeta e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc

Era uma dessas noites em que, tentando encontrar um pouco de paz, sentei-me num bar. A taça de vinho me fazia companhia enquanto eu lia “Até quarta, Isabela”, de Francisco Julião. Entre uma página e outra, o ambiente ao meu redor parecia se dissolver, mas fui interrompido por um fragmento de conversa de uma mesa próxima.

Um homem, com um semblante pesado, conversava com um amigo. Ele dizia que já havia pago a cremação e o veículo para o traslado de seu corpo e suas cinzas. Preocupado com a hora da partida, antecipava um evento que ainda não havia acontecido. Aquele cenário me pareceu tenebroso e pungente. Pensei comigo: Ele está antecipando dores que não existem, carregando-as para dentro de si mesmo. Com um nervosismo tão grande, ele deve não estar nem vivendo.

Então, defini para mim mesmo: depois que eu partir, façam o que quiserem de mim. Não me importo com os detalhes do depois, porque a minha vida é agora. Vivo de sonho e poesia desde a infância. Não é à toa que sou um construtor de memórias afetivas e de partilhas. Meu objetivo é deixar um legado de boas lembranças para quem cruza o meu caminho e toca o meu coração.

Refletindo sobre essa conversa e sobre minha própria existência, concluí que viver é muito mais do que preparar-se para o fim. Viver é estar presente, é construir momentos que valham a pena ser lembrados. É sentir o sabor do vinho, perder-se nas páginas de um bom livro e, principalmente, criar laços e memórias que perpetuem o nosso espírito muito além do nosso tempo físico.

A vida, com todas as suas agitações, compromissos e desafios, ainda é um presente a ser desfrutado. Que não nos percamos na ansiedade do futuro, mas que nos encontremos na alegria do agora. Porque, no fim, o que realmente importa são os sonhos que vivemos e a poesia que deixamos gravada no coração de quem amamos.

Mais um pouco de vinho para mim, que eu tenho é sonho para viver.