Hiperconectividade e Hipoaproveitamenton: uso excessivo das tecnologias e impactos na saúde mental

Por Andréa Keust Bandeira de Melo e Laura Pedrosa 

RESUMO: Objetivo geral: demonstrar como a hiperconexão por meio do uso de ferramentas eletrônicas e das mídias sociais causa impacto na gestão do tempo das pessoas. E específicos: demonstrar a hiperconexão e repercussões do excesso de informações no desempenho pessoal e profissional; delinear as repercussões na cognição e nos transtornos psíquicos relacionados ao excesso de informações; e justificar a necessidade da desconexão na promoção da saúde. É realizada uma revisão de literatura, embora escassa, para embasar este artigo. Os resultados apontam que as demandas de conhecimento e informações, principalmente no período de isolamento social em razão da Pandemia da Covid-19, sobrecarregam o uso da tecnologia da informação e da comunicação, da Internet e das redes socais, prejudicando as habilidades sociais, gerando transtornos psíquicos e dificultando a gestão do tempo por excesso de informações.

PALAVRAS CHAVES: Hiperconexão; Transtornos Mentais e Comportamentais; Desconexão.

INTRODUÇÃO: Nos dias atuais, é praticamente impossível vivermos sem a utilização de dispositivos eletrônicos e recursos virtuais. Até os relógios despertadores ficaram ultrapassados, pois os smarthphones são programados para provocar o despertar e até mesmo a promover a ?soneca?. Com eles somos capazes de verificar os sinais vitais, desempenho das atividades físicas e como foi o desempenho do sono. 

Muitos são os momentos em que adormecemos lendo mensagens ou zapeando notícias. Os livros físicos, revistas e jornais que nos provocavam os sentidos com seus aromas peculiares, agradavam ao tato ao manuseá-los e ajudavam nossa compreensão e nosso senso crítico, com realces, ao sublinhar e comentar parágrafos e textos. Esses foram substituídos pelos Ebooks ou por artigos eletrônicos. Com essas mudanças, são limitadas nossas visitas prazerosas às livrarias. 

Situações corriqueiras como ir às compras, conversar com os vendedores ou mesmo provar uma roupa ou degustar alimento, estão sendo substituídos por compras virtuais, onde muitos dos sites oferecem preços mais atrativos. Com isso, muitos postos de trabalho estão sendo diminuídos e até extintos e muitas lojas físicas estão cerrando as portas. 

O ensinar e o aprender passaram e passarão por significativas mudanças. A sala de aula são nossas casas, favorecendo a desatenção do conteúdo ministrado em razão das câmeras desligadas. Podemos notar uma grande mudança comportamental. Jovens andam de moletom cobrindo as cabeças mesmo em locais de temperaturas altas. Outros mudam sua aparência física, para ficarem semelhantes a personagens de estórias em quadrinhos. Embora as ?tribos? façam parte da busca de identidade na adolescência, estudos apontam o aumento de transtornos de ansiedade e de depressão no contexto escolar, além das violências que chegam a culminar em suicídio e até homicídios em escolas. 

Para nós, que nascemos antes da Era digital, muitas transformações foram sentidas. Uma das mais significativas repousa sobre nossas habilidades sociais. Refere à necessidade de sinergia, de olharmos nos olhos das pessoas para nos sentir conectadas. Nós, que assistimos filmes que pareciam trazer realidade ?futurista? como Blade Runner – O Caçador de Androides ou Gattaca – A Experiência Genética; que nos divertíamos com as aventuras dos Jetsons, jamais poderíamos imaginar que nossa visão de mundo e nossa forma de estabelecer relações, inclusive afetiva, estariam, literalmente, nas palmas das mãos, segurando equipamentos eletrônicos. 

No mundo do trabalho, estamos perdendo o referencial do ?espaço de trabalho? e muitas vezes, o trabalho está sendo realizado dentro de casa ou em espaços públicos como cyber cafés ou escritórios comunitários, onde é disponibilizado acesso a rede Wi-Fi. 

Como demonstramos nessa reflexão introdutória, nem tudo nesse novo mundo é maravilhoso. Estamos tendo acesso a um volume excessivo de informações diuturnamente e precisamos pensar que o nosso cérebro não atua na velocidade 5G e não trabalha na linha exponencial de armazenamento de informações. Por isso, é cada dia mais frequente a sensação de que estamos hiperconetados e, ao mesmo tempo, com hipoaproveitamento, ou seja, um comprometimento do nível atencional de aproveitamento dessas informações, do armazenamento em nossa memória, de nosso raciocínio e do aprendizado efetivo. 

A ERA DIGITAL E A HIPERCONEXÃO 

A Era da Informação ou Era digital são termos frequentemente utilizados para designar os avanços tecnológicos advindos da Terceira Revolução Industrial e que reverberam na difusão de um ciberespaço, um meio de comunicação instrumentalizado pela informática e pela internet. Essas expressões também são formas de observar os avanços das técnicas de transformação da sociedade em comparação a outras anteriores. 

O avanço tecnológico é tão significativo que até a década de 1970 anos, os únicos meios de comunicação eram o telégrafo e o telefone. Antes, os centros acadêmicos de pesquisas científicas e governamentais no primeiro mundo, ainda na década de 1960, iniciavam o uso de computadores (grandes máquinas) para armazenar dados e realizar cálculos de maior complexidade.

A denominada ?guerra fria?, entre os Estados Unidos e a União Soviética, em 1957, desencadeia um avanço tecnológico entre as duas nações. Os americanos, justificando proteger suas informações em caso de um ataque nuclear soviético, aumentam seus investimentos em tecnologia, alavancando o uso democrático de tecnologias e da internet. 

Sem nos deter na história do mundo digital, destacamos que no ano de 1972, Ray Tomlinson criou o software básico do e-mail, o aplicativo mais importante da década, mudando a comunicação e colaboração entre as pessoas. 

A internet vem mudando radicalmente desde a sua origem. Já não se trata mais de um espaço onde e-mails são trocados e informações são armazenadas. Atualmente, tem um valor agregado a objetos e lugares, a exemplo do surgimento da Internet das Coisas. E outros avanços sobrevieram como a criação do Google, das redes sociais, com a mudança das versões da internet e na velocidade de transmissão de dados. 

Lembremos que a invenção da internet desencadeou a denominada Quarta Revolução Industrial, levando o mundo a se estabelecer na Era da Informação. Ademais, a Internet 2.0 já está sendo tratada como uma nova etapa que permite aos usuários deixarem de serem apenas espectadores e passem a interagir entre si como criadores de conteúdo, gerando uma tendência baseada em desenhar sites centrados no usuário e que facilitem o compartilhamento e a troca de informações. 

Esses importantes fatos históricos delineiam a pós-modernidade da era digital, com a ampliação da capacidade de armazenamento e memorização de dados e de informações. Por meio da tecnologia, adquirir conhecimento exige novas habilidades. Não se pode perder de vista a vulnerabilidade que a conexão impõe a cada pessoa. 

Não é a toa que hoje temos que usar mais recursos de segurança para salvaguardar nossos dados e nossa intimidade ou corremos os riscos de ficarmos expostos. Por isso, surgem mecanismos e legislação ainda mais sofisticados com a finalidade de proteger dados de pessoa física e jurídica. 

Quando se avalia as novas formas de relacionamento amoroso ou afetivo, construído por meio de aplicativos, verificamos quão rasas são essas interações, modificando também a possibilidade de estabelecer um vínculo afetivo maduro e duradouro. No mundo do trabalho, essa realidade também é presente, onde não são firmados vínculos de pertencimento ou de satisfação. 

É justamente em face dos avanços da comunicação que passamos mudanças que perpassam fatores sociais, econômicos e éticos. Algumas crenças e premissas vêm sendo desconstruídas, destacando que ?deter informações e conhecimentos é uma forma de poder?. Pelo contrário, maior poder detém quem é capaz de compartilhar, em rede, conhecimentos e informações. Uma lógica que precisa ainda ser absolvida pelas gerações de 1950 a 1980. 

As transformações são exponencialmente rápidas e já falamos em uma nova realidade que é o Metaverso ou um tipo de mundo virtual no qual se tenta replicar a realidade através de dispositivos digitais. É um espaço coletivo e virtual compartilhado, constituído pela soma de “realidades virtuais”, “realidade aumentada” e “Internet”. 

O uso da tecnologia é transversal, inclusive com transformações da humanidade e de seu estilo de vida. Essas mudanças, no entanto, não promovem qualidade de seus hábitos, tendo em vista que muitas delas acabam por prejudicar a saúde, principalmente física e psicossocial, das pessoas. 

O termo hiperconexão não foi oficialmente definido. Contudo, especialistas da Psicologia e Psiquiatria utilizam-no para definir a necessidade (ou compulsão) de estarmos conectados em tempo integral e para abordar os problemas quando não conseguirmos nos desconectar. Já não conseguimos ficar longe dos aparelhos celulares, computadores ou tablets e esses equipamentos parecem ser uma extensão do indivíduo. Não é raro encontrar pessoas juntas em um mesmo ambiente físico e isoladas em razão da hiperconexão. 

Denota uma síndrome da urgência. Nada pode ser dito, feito, respondido ou transferido para amanhã. Importante destacar que ela não envolve apenas as redes sociais, aplicativos de mensagens ou e-mails. 

Essa pseudointeração provoca, de fato, o isolamento e a exclusão social, em diversos contextos, principalmente familiar, escolar e de trabalho. Se por um lado o uso da internet pode unir amigos e familiares que residem distante, em outro vértice, torna os relacionamentos mais superficiais. As consequências dessa dicotomia entre o mundo físico e o mundo virtual são percebidas na saúde e na qualidade de vida das pessoas, desde a tenra idade. 

TRANSTORNOS PSÍQUICOS: REPERCUSSÕES DA HIPERCONEXÃO 

Embora a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10, 2003) 8 e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 5ª Edição (DSM-V, 2014) 9 não traga o protocolo de adoecimento psíquico por hiperconexão, é possível à Psicologia e à Psiquiatria levantar uma hipótese diagnóstica de um transtorno mental e comportamental (TMC) em razão desse tipo de compulsão. 

Os TMC nem sempre se enquadram nos limites de uma patologia, pois alguns sintomas sinalizam vulnerabilidade a um conjunto de doenças. O DSM-V define TMC como: 

uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição, na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. (…) associados ao sofrimento ou à incapacidade significativa que afeta atividades sociais, profissionais ou outras atividades importantes. (…) Desvios sociais de comportamento (…) e conflitos (…) referentes ao indivíduo e à sociedade não são TMC a menos que (…) sejam o resultado de uma disfunção no indivíduo. (2014, p. 20). 

Segundo Caldas (2021) 10, o diagnóstico de TMC não é simples. É preciso considerar fatores que extrapolam o próprio indivíduo, incluindo aspectos culturais, socioeconômicos, familiares e da própria herança genética. Para configurar um comprometimento psicológico, é preciso atentar para problemas emocionais de ordem simbólica, cognitiva e comportamental evidenciados nas interações sociais. O diagnóstico depende das reações da sociedade frente às alterações emocionais e às condutas disfuncionais do indivíduo. 

A depressão, considerada a doença do século, é classificada como transtorno de humor/afeto, com ou sem ansiedade. Dentre os sintomas, destacam-se: rebaixamento do humor e da energia; redução da atividade e da capacidade de atenção; e perda de interesse associada à fadiga excessiva. É comum alterações no sono, no apetite e na libido. 

O transtorno ansioso se caracteriza pela presença de manifestações ansiosas desencadeadas por exposição a um determinado evento. Pode ser acompanhada de sintoma depressivo, obsessivo e manifestações fóbicas. Inclui o afetivo bipolar, a ansiedade generalizada e o misto ansioso-depressivo. É no conjunto sintomas obsessivo-compulsivos, que se pode configurar a hipótese diagnóstica em razão da hiperconexão.

Não é raro encontrar bebês com seus tablets (ou babás eletrônicas) em restaurantes, enquanto seus pais ocupam-se com seus equipamentos ou se alimentam. Cada vez é menos frequente encontrar crianças em parques, a família reunida em um evento social privado, a exemplo de um pic nic, um cinema, um jogo, refeição ou qualquer outra forma de interação, em sua intimidade. 

Se antes era frequente o uso da tecnologia como ferramenta no processo ensino-aprendizagem, com o isolamento social em razão da pandemia de COVID-19, esse foi o único meio de educação formal. As consequências ainda estão emergindo, principalmente nas crianças que nasceram em meio à pandemia. 

No contexto de trabalho, repercussões dos avanços da tecnologia da informação e da comunicação são inúmeras, principalmente no modo de gestão e nas relações socioprofissionais. Caldas (2021) 11 destaca o teleassédio moral, uma tipologia que modifica inclusive o protocolo que define esse fenômeno de violência. Cada vez mais isoladas em seus postos de trabalho virtuais, mais vulneráveis estão os trabalhadores; seja pelo isolamento nas relações socioprofissionais, seja pela dificuldade em atender metas e conciliar ou estabelecer limites entre a dinâmica familiar e as atividades laborais. 

Já não existe uma delimitação de tempo e espaço entre essas duas instituições e o trabalho passa a exigir do trabalhador uma jornada integralmente útil, sem qualquer limite de horário de comunicação, de cobranças ou de exigências por metas, por exemplo. É cada vez mais tênue a distinção entre o poder diretivo dos gestores de cobrar e a invasão de privacidade de seus subordinados. 

Esse assunto é considerado um mal da Pós-modernidade e desperta demandas por pesquisas multidisciplinares, pois a hiperconexão causa efeitos distintos em cada indivíduo e nas interações coletivas que ocorrem, nos mais diversos contextos. 

A hiperconexão autoimposta, ou seja, quando a pessoa não consegue perceber ou controlar o uso problemático das tecnologias, é comum repercussões em sua saúde psíquica, similar a outras compulsões, tais como: álcool e outras drogas, compras, jogos (virtuais ou não), sexo, dentre outras, desencadeando TMC, principalmente ansiedade, fobia social, obsessivocompulsivo e outros transtornos de humor (afetivo). E igualmente são os efeitos no organismo quando padece dos sintomas da síndrome de abstinência, comum em adictos de drogas, identificados por fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos desencadeados após a interrupção abrupta da substância psicoativa. 

Com a hiperconexão, são comuns alterações comportamentais quando passam a estar off-line. É frequente o comprometimento da autoestima, da autoconfiança e autocrítica; sinais de agressividade, irritabilidade, impulsividade e labilidade emocional; e elevada introversão, dificuldade de comunicar-se, de interação, de trabalhar em equipe, de lidar com figuras de autoridade e com frustrações. É frequente a elevação no nível de conflitos internos, a percepção de inadequação e preocupações com sentimentos de rejeição e de desamparo. Á lista de impactos na saúde mental e comportamental é imensa e não se encerra nesta lista exemplificativa. 

CONTINUAMOS SENDO HUMANOS VIVENDO SOB A LUZ ARTIFICIAL 

É certo que o uso das tecnologias afetou a rotinas dos seres humanos. Contudo, A fisiologia humana e as sinapses neuronais não sofreram modificações Em sua capacidade de armazenamento de informações no cérebro, as alterações fisiológicas mais comuns são as alterações do ciclo vigília-sono e outros transtornos do sono e de alimentação. 

Os seres vivos, dos unicelulares até os mamíferos, sofrem influências de estímulos externos que produzem padrões cíclicos, denominados ritmos ou ciclos biológicos, cujos sistemas de temporização interno, conhecidos como ciclo circadiano ou relógio circadiano, permitem antecipar as recorrentes mudanças diárias de seu ambiente (BOLLINGER, 2014). É nosso relógio biológico e permite que nossos organismos se adaptem as melhores condições ou antecipem respostas aos estímulos externos da rotina diária. 

Esse sistema complexo, com estímulos internos e externos, regula nosso uso do tempo com relativa plasticidade, permitindo, por exemplo, alterarmos nossa rotina ou adaptarmo-nos a mudanças de fuso horário. No entanto, há limites para essa flexibilidade temporal, que impedem, por exemplo, a adaptação completa de nossos ritmos biológicos ao trabalho noturno (MORENO, 2002).

As variações em nosso relógio biológico geram, com frequência, impactos em nossos hábitos alimentares, principalmente com a omissão em refeições, ingesta de alimentos de alto teor calórico, compulsões alimentares ou elevada abstinência. 

Trata-se de um processo de retroalimentação prejudicial ao indivíduo, quando a hiperconexão prejudica seu relógio biológico, sua alimentação, seu sono. Estimula o sedentarismo, o isolamento social e algumas comorbidades, como a diabetes, a obesidade mórbida e alterações nas dislipidemias. Incompetente na gestão do tempo, o sujeito, em situações de elevada conexão, torna-se vulnerável ao adoecimento, como dito. 

Embora o sistema de temporização tenha sua sincronização a partir de sinais internos ou do meio ambiente (luz solar), compatível com o ciclo solar de 24 horas, alterações abruptas ou perenes do ciclo circadiano provocam prejuízos em vários sistemas fisiológicos: digestivo, ocular, respiratório, osteomuscular, cardiológico, além do controle da temperatura corporal, síntese de corticosteroides, níveis de flutuações hormonais e a renovação celular. 

O envelhecimento normal causa uma perda geral no relógio circadiano, ocasionando, entre outras consequências, a diminuição do tempo de sono. Após os 50 anos de idade, a tendência natural é que a pessoa durma uma média de 27 minutos a menos por dia a cada década, tornando o sono irregular. Com o avançar da idade, a pessoa tende também a despertar mais vezes durante a noite, com dificuldade de atingir a fase REM do ciclo do sono (rapid eye movement ou ?movimento rápido dos olhos?). Trata-se da fase mais difícil do sono, pois é o estágio mais profundo e quando o corpo consegue realmente relaxar.

Independente de idade, a hiperconexão está relacionada diretamente com o prejuízo nos ciclos do sono – essencial à manutenção de uma vida saudável, para a recuperação física e para o descanso, pois contribui para o metabolismo, para a renovação das células, para fixação da memória, para consolidar o aprendizado e absorção de informações, contribuindo diretamente para nossa saúde física e mental. 

A sincronização interna ocorre quando o ritmo circadiano da temperatura central acompanha o ritmo sono-vigília. A dessincronização interna resulta em prejuízos para a saúde do indivíduo. E são múltiplos os fatores que resultam dessa dessincronização: insuficiência qualitativa e quantitativa de estímulos; diminuição da acuidade dos órgãos dos sentidos e dificuldade de ajustar os ritmos do ciclo circadiano de acordo com os estímulos sociais (GEIB, 2003). 

É nesse contexto que precisamos ressaltar que a divisão das atividades em horários faz com que nosso corpo crie uma rotina. Contudo, a perda da noção de tempo e de espaço, tanto na família e principalmente no trabalho, o uso contínuo da luz artificial, o uso dos leds, sobretudo de coloração azul, impactam sobremaneira nos ritmos biológicos. Continuamos humanos, mas trabalhamos como máquinas. E assim como equipamentos, precisamos de manutenção e de recuperação para um funcionamento pleno e minimamente adequado ou corremos o risco de perder o contato com a realidade. 

O TEMPO CONECTADO 

Conforme levantamento do Comitê Gestor da Internet do Brasil, 49% dos internautas usam o celular apenas para acessar a rede, colocando o país em segundo lugar no ranking dos países que mais permanecem conectados, com 09 horas e 14 minutos diários, atrás apenas da Tailândia e das Filipinas. 

Portanto, o tempo de conexão é maior do que às 08 horas de sono diários, recomendadas para o equilíbrio físico e mental. O uso excessivo das tecnologias trazem prejuízos que não admite um prognóstico preciso. Assim como não era possível, ao se criar a Internet, prevê esse contexto atual. É igualmente inimagináveis os avanços, as possibilidades e os retrocessos ao ser humano, nos próximos 50 anos. 

É importante, no entanto, destacar o crescimento pessoal e profissional que vêm sendo oportunizado pelo uso da tecnologia, da internet e das redes sociais. Contudo, no mundo colorido e sorridente exposto nas mídias sociais, a ?grama? do vizinho parece ser mais verde do que a da nossa casa. As pessoas aparentam sempre ser bem sucedidas, felizes e com uma vida de plenitude. Na vida real (ou no mundo em preto e branco), as dores e os sofrimentos raramente são objeto de post, reforçando a ideia de que a tristeza não trás seguidores e não rende likes. 

APRENDIZADO E TRABALHO NOS MEIOS ELETRÔNICOS E O HIPOAPROVEITAMENTO 

Até 2019, era pequeno o volume de tele aulas e de eventos no formato de lives. Eram poucos os sites como Youtube, Instagran e Facebook utilizados como aplicativos de educação, formação continuada, encontros ou reuniões de negócios. Contudo, nos anos de 2020 e 2021, em razão do lockdown para evitar a propagação do contágio pelo Sars Cov-2, essas ferramentas permitiram minimizar o isolamento social e seus efeitos, numa nova roupagem do ?mito da caverna? de Platão. 

Assim como o filósofo diferencia o mundo sensível e inteligível, a hiperconexão e o excesso de informações disponíveis ao senso comum e apreendidas pelos sentidos diferenciam o processo de apreensão de informações e do conhecimento. 

Sabemos que o abalo no âmbito da mente consubstancia-se em várias formas de adoecimento, em regra, silenciosas. E é justamente por isso que passamos a vivenciar o hipoaproveitamento de tantas atividades exercidas, ou seja, com a mente em estado de exaustão, continuamos a dar seguimento a tudo que pensamos ser inadiável, ou que de fato, precisamos gerir em nossas vidas. 

Além disso, fico claro que o uso da tecnologia acaba destruindo as barreiras entre estudos, trabalho e vida pessoal, o que torna o indivíduo constantemente conectado à necessidade de produzir. 

As demandas para o trabalho à distância estão em setores nos quais antes havia o trabalho presencial. Basta olharmos para o grande volume de aulas em EAD sendo desenvolvidas através da teledocência, de informações das mais variadas áreas do conhecimento passadas por meio de aplicativos, a exemplo de debates orais entre pessoas que se dedicam a transmitir virtualmente as mais variadas informações e até mesmo formas de lazer. 

Com tanto ruído de informação fica dificultoso refletir, elaborar pensamentos e desenvolver ideias. A ansiedade só aumenta. O excesso de informações e a exigência — sem limite — de atividades virtuais afetam a saúde das pessoas. Soma-se o fato de que vivemos em uma verdadeira tirania virtual, na qual não estando conectados deixamos passar parte significativa de nossa existência diária.

DESCONEXÃO – A CHAVE ENTRE O MUNDO REAL E O SIMBÓLICO 

Desconexão não é sinônimo de abstinência do uso das tecnologias, da internet, aplicativos e das redes sociais. É um chamado para a conexão compatível com nossa realidade e com foco em demandas.

Afinal, com a tecnologia, perdemos dois paradigmas – o tempo e o espaço. E esses dois sentidos, nos moldes vividos, não retornam. Exigem ainda mais habilidade na gestão do tempo de conexão, diferenciando conteúdos disponíveis e as prioridades de informações. Na sociedade contemporânea, o direito à desconexão e ao não trabalho é um importante instrumento de promoção de saúde e de qualidade de vida. 

Mudanças de postura do ser humano se fazem necessárias para salvaguardar o direito à desconexão, com a adoção de medidas eficazes e preventivas, sobretudo com a devida divisão das atividades ao longo do dia, garantindo momentos de pausas para refeição e descanso, para higienização não só do corpo, mas, sobretudo da mente, por meio de atividades prazerosas e que não impliquem no uso de ferramentas eletrônicas. A criação de legislação específica para a garantia da desconexão, sobretudo em relação ao trabalho é uma necessidade. 

Atividades como leitura, execução de atividades manuais, um hobby, a prática de esportes, cozinhar, atividades culturais, dentre outras, reduzem o stress e permitem o resgate de uma paz interior e do Eu Simbólico. 

Desconstituídos da necessidade de cronometrar o tempo, mas no intuito de vivenciá-lo em sua plenitude, permitimo-nos desacelerar. Assim, estaremos ?virando a chave?, trazendo para o momento atual a vivência de todos os sentidos, permitindo o hiperaproveitamento do vivido e a separação do que desenvolvemos no trabalho, na escola e em benefício próprio. O aprendizado formal ou para a vida pessoal pode tornar-se o ponto de equilíbrio individual. 

Necessário perceber quando o corpo e a mente dão sinais de comprometimento de seus órgãos, de sofrimento ou mesmo adoecimento psíquico. Tais sinais são alertas e sugerem o suporte da Psicologia e, se instalado algum transtorno psíquico, é relevante buscar o auxílio da Psiquiatria, visando ao tratamento medicamentoso. Contudo, o reequilíbrio depende prioritariamente de atitudes e do protagonismo frente à hiperconectividade. 

CONSIDERAÇÕES REFLEXIVAS 

A compreensão da hiperconectividade tornou-se ainda mais relevante com o isolamento social que foi imposto pela pandemia em razão da COVID-19. E embora o convívio social tenha sido restabelecido, muitas são e serão as repercussões na saúde mental, nas interações sociais e nos vínculos com o trabalho e com o processo de aprendizado formal. O hipoaproveitamento do tempo, e a sensação de que estamos sempre em busca de algo mais e cuja velocidade para realização de algo nos deixa sempre com a sensação de que estamos fora do time.

O objetivo geral deste artigo foi demonstrar como a hiperconexão por meio do uso de ferramentas eletrônicas e das mídias sociais causa impacto na gestão do tempo das pessoas. 

Enquanto aprendemos, estamos utilizando ferramentas de tecnologia da informação da comunicação cada vez mais sofisticadas; lidamos com novas regras de etiqueta digital; e precisamos flexibilizar o tempo de uso desses instrumentos de modo a garantir nossa saúde física e psicossocial. 

Os impactos da hiperconexão e repercussões do excesso de informações no desempenho pessoal e profissional é o primeiro objetivo específico de nosso artigo. As respostas a esse objetivo remetem a profundas mudanças sociais, econômicas e éticas e, por outro lado, outras crenças e premissas vêm sendo descontruídas. Provocam também transformações da humanidade e de seu estilo de vida. Contudo, os riscos da hiperconectividade são percebidos na qualidade de vida e nos hábitos que podem prejudicar a saúde do indivíduo. 

O segundo objetivo especifico foi delinear repercussões na cognição e nos transtornos psíquicos relacionados ao excesso de informações. A Psicologia e Psiquiatria utilizam o termo hiperconexão para definir a compulsão pela conexão em tempo integral. 

São muitas as repercussões que emergem de alguns estudos, destacando os impactos na cognição: rebaixamento nos níveis atencionais e na memória de curso prazo. Quanto aos impactos na saúde mental, destaca-se uma síndrome da urgência. Nada pode ser dito, feito, respondido ou transferido para amanhã. As alterações comportamentais da hiperconectividade são compatíveis com transtornos de ansiedade, com sintomas, principalmente, de: agressividade, irritabilidade impulsividade, labilidade emocional; elevada introversão, dificuldade de comunicar-se, de interação, trabalhar em equipe e de lidar com figuras de autoridade e com frustrações. 

As repercussões da hiperconexão são similares a outras compulsões, tais como: álcool e outras drogas, desencadeando transtornos mentais e comportamentais. E igualmente são os efeitos no organismo quando padece dos sintomas da síndrome de abstinência, comum em adictos de drogas, É frequente o comprometimento da autoestima, da autoconfiança e autocrítica, além de outros prejuízos. É frequente a elevação no nível de conflitos internos, a percepção de inadequação e preocupações com sentimentos de rejeição e de desamparo, dentre outros sintomas. 

O terceiro e último objetivo de nosso artigo é justificar a necessidade da desconexão na promoção da saúde. Além das repercussões na saúde mental, faz-se necessária a desconexão para que não percamos nossa essência de ser social. Há um prejuízo nas novas gerações em suas habilidades sociais e essas limitações estão atingindo as gerações de 1950 em diante. Estão num processo crítico de desconstrução de suas relações afetivas, sexuais e amorosas, haja vista a dificuldade em lidar com a solidão imposta. 

Este artigo contribuiu na identificação dos sinais, pessoais ou não, que provocam uma hiperconexão. Possibilitou reflexões sobre a gestão de nosso tempo e de nossa qualidade de vida. 

Além disso, apontou estratégia simples, porém eficazes para lidar com o tempo integralmente útil ?on-line”, a exemplo de hábitos observados em gerações a partir de 1950, como atividades na dinâmica familiar em conjunto, a leitura de um livro, atividades físicas e manuais, dentre outras de interesse pessoal. 

Constatamos algumas limitações na construção deste artigo, destacando a escassez de pesquisas sobre a temática, principalmente sobre os impactos do isolamento imposto pela COVID-19 e a hiperconectividade. Além disso, os trabalhos realizados em teletrabalho e essa temática demandam mais estudos. 

Assim, sugerimos como tema para novas pesquisas os impactos da hiperconexão em profissionais por categoria, destacando os profissionais de saúde, docentes e em adolescentes em atividade escolar remota. 

Concluímos que lidar com as mudanças em razão do uso da tecnologia da informação e da comunicação, da internet e das redes sociais são desafiantes. Porém, as repercussões, por serem visíveis, requerem avanços científicos e tecnológicos mais humanizados, sob o risco de colocar em risco a subjetividade do indivíduo.