Vídeo: Barbacena, o silêncio do holocausto brasileiro. Por Flávio Chaves

Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc   –   Barbacena, Minas Gerais. O nome que ecoa como sinônimo de flores e montanhas também guarda um grito abafado pela história. Dentro do Hospital Colônia, erguido em 1903 como um espaço para tratamento psiquiátrico, desenhando um dos capítulos mais sombrios da humanidade. Sob os muros do hospital, a indiferença se transformou em um mecanismo de extermínio, e as vítimas não eram apenas pacientes, mas seres humanos reduzidos à poeira da existência, tragados por uma máquina de tortura.

Por décadas, a Colônia não recebeu apenas pessoas com transtornos psiquiátricos, mas uma sociedade indesejada. Pobres, mães solteiras, homossexuais, alcoólatras e até aqueles que apenas incomodavam a moral da época foram enviados para o hospital sem diagnóstico ou justificativa plausível. Estima-se que 70% das pessoas internadas não possuíam qualquer condição psiquiátrica acesa. A era da pobreza, muitas vezes, o único “sintoma”. O cativeiro da indiferença.

Dentro das instalações, o horror se materializou. Amontoados como objetos descartados, homens e mulheres eram desnudados de sua dignidade. A fome os corroía, o frio os consumia, e o descaso os silenciava. A linha que separava a vida da morte era tênue e indiferente. Entre 60 mil almas perdidas na Colônia, cada morte representava um grito sufocado pela insensibilidade institucional.

O psiquiatra italiano Franco Basaglia, ao visitar o hospital em 1979, descreveu o que viu como um campo de concentração. Era impossível não fazer essa comparação. A lógica de exclusão e eliminação sistemática feita de Barbacena um holocausto silencioso. O Hospital Colônia se tornou um lugar onde os corpos eram negociados às escondidas; entre 1969 e 1980, mais de 1.800 cadáveres foram vendidos para faculdades de medicina sem qualquer consentimento familiar. A morte, ali, era mais valiosa que a vida. Um campo de concentração disfarçado. 

O Holocausto Brasileiro não foi apenas o reflexo de uma falha institucional, mas de uma sociedade que prefere ignorar o sofrimento de seus próprios filhos. Cada paciente enviado à Colônia era uma declaração de que sua existência não tinha valor. A exclusão tornou-se sentença de morte; o descaso, a sua condenação. A dor de um sistema desumano.

Hoje, ao relembrar o Hospital Colônia, é impossível não questionar o papel do ser humano frente à dor alheia. A Reforma Psiquiátrica brasileira, nascida da luta por um tratamento mais humano, foi um avanço. Mas a memória de Barbacena nos alerta: o silêncio diante do sofrimento não é neutralidade, é cumplicidade. Ecos do passado, lições para o futuro.

As ruínas da Colônia são mais do que restos físicos; são marcas de um luto coletivo. Que nunca mais sejamos indiferentes ao clamor dos invisíveis. Que nunca mais o sofrimento humano seja relegado ao esquecimento. Barbacena é um espelho cruel, e nós, reflexo de suas cicatrizes.