Mariana Muniz e André Souza
O Globo
No segundo dia do julgamento da ampla “pauta ambiental” no Supremo Tribunal Federal, a ministra Cármen Lúcia, relatora de seis dos sete processos que estão sendo analisados, mandou na quinta-feira, dia 31, duros recados sobre a atual política de meio ambiente no país e falou que há, atualmente, um “estado de coisas inconstitucional em matéria ambiental no Brasil”.
Apesar da antecipação de alguns posicionamentos da ministra, a conclusão do voto ficou para a tarde de hoje, quando os demais integrantes do STF também devem se posicionar.
RETROCESSO BRUTAL – Cármen Lúcia citou dados de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e falou sobre o que chamou de abandono do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia.
— Não há espaço discricionário para que haja um retrocesso em relação ao que foi conquistado —, disse ainda.
Um eventual reconhecimento por parte do STF de um “estado inconstitucional das coisas” — quando a Corte passa a adotar medidas relativas a um aspecto da Constituição que está sendo descumprido — na política ambiental não seria fato inédito. Em 2015, o STF adotou o mesmo posicionamento para o sistema penitenciário brasileiro e determinou a implementação das audiências de custódia.
QUESTÃO PLANETÁRIA — “Uma questão central de importância constitucional fundamental para o Brasil. A questão climática passou de local pra transnacional por causa de seus efeitos e consequências em todo o planeta. Onde quer que se esteja, se está sob uma situação gravíssima” —, afirmou ainda a ministra.
O julgamento vem sendo acompanhado de perto por lideranças políticas ligadas à temática ambiental e fez com que, na última quarta-feira, sete ex-ministros do Meio Ambiente — Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg, José Sarney Filho — fossem ao STF conversar com Cármen Lúcia e Luiz Fux sobre o que está em jogo nas ações.
Na conversa com Fux, os antigos chefes do ministério falaram sobre a importância da pauta, chamaram a atenção para o momento em que o julgamento ocorre e entregaram uma carta em que pedem uma ação da Corte para barrar retrocessos na área ambiental.
PEDIDO DE VISTA? – Apesar de toda a atenção voltada para a pauta de quarta-feira, interlocutores do STF não descartam a possibilidade de que as análises sejam paralisadas um pedido de vista. É que após a relatora votar, os dois primeiros ministros da fila são André Mendonça e Nunes Marques, ambos indicados à Corte pelo presidente Jair Bolsonaro. Em caso de pedido de vista, o julgamento é suspenso e fica sem data para voltar.
Para a ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, ao julgar as ações que tratam de omissões de políticas públicas o STF não entra na esfera da responsabilização, mas restabelece marcos que já vinham sendo adotados no país.
— Essa é uma movimentação dos partidos e da sociedade contra omissões em termos de políticas públicas. Todas as ações no STF são para suprir políticas públicas. O que a gente está pedindo é política pública concreta que beneficie o meio ambiente e os brasileiros. Os ministros têm todas as condições de ajudar nesse sentido —, disse ao GLOBO a especialista.
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CONHEÇA AS AÇÕES QUE SERÃO JULGADAS:
Prevenção do desmatamento. Sete partidos de oposição acionaram o STF em 2020 para que o governo federal executasse o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia. De acordo com as legendas, houve uma diminuição de fiscalizações, com uma queda no número de autuações, e aumento no desmatamento.
Uso das Forças Armadas. O PV contestou em 2020 um decreto presidencial e uma portaria do Ministério da Defesa que permitiram o uso das Forças Armadas no combate a crimes ambientais e queimadas. Para o partido, a medida esvaziou o Ministério do Meio Ambiente.
Representação da sociedade. A Rede Sustentabilidade contestou em 2020 um decreto presidencial que alterou a composição do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). Segundo a ação, o decreto eliminou a participação de representantes da sociedade civil no órgão.
Acusação de omissão. Em 2019, o partido Rede Sustentabilidade acusou o governo de se omitir em ações de combate ao desmatamento na Amazônia. Assim, pediu que o STF obrigue a tomada de medidas concretas para evitar a derrubada da floresta.
Uso do Fundo Amazônia. Quatro partidos de esquerda pediram o reconhecimento da omissão do governo federal pela paralisação do Fundo Amazônia. As legendas dizem que dois órgãos ligados ao Fundo foram extintos e recursos destinados à preservação estavam sendo represados, mesmo com o aumento das queimadas e do desmatamento.
Controle da qualidade do ar. Em 2019, a Procuradoria-Geral da República, então comandada por Raquel Dodge, questionou uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente sobre padrões de qualidade do ar, que considerou ter “valores de padrões iniciais muito permissivos”.
Atividades econômicas de risco. O PSB questionou no ano passado uma medida provisória do presidente Jair Bolsonaro que mudou a lei sobre a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios. O partido aponta que o governo permitiu concessão automática de alvarás de funcionamento e licenças, inclusive ambientais, para empresas cujas atividades sejam de risco médio.