Pedro do Coutto
Na última semana, em sua coluna na Folha de S. Paulo, o jornalista Ruy Castro sugeriu às editoras brasileiras que elaborassem um dicionário da corrupção no país no estilo dos dicionários bastante amplos, nas questões de linguagem e de sinônimos que facilitem a tradução de situações. Concordo com ele.
É uma obra que se faz necessária, tanto pelo volume crescente da corrupção, quanto em face de um ângulo menos aparente que se refere aos conceitos sobre a mesma. Por exemplo, classificar alguém como honesto há vinte ou trinta anos era um elogio. Hoje, em matéria de designações para diretorias de empresas estatais e órgãos públicos, a classificação de honesto passou a envolver uma dúvida dentro da visão de que tudo é relativo.
IMPEDIMENTO – Em alguns casos honesto significa um impedimento, um caminho fechado para o acesso a postos de direção. Imagine-se até uma piada que circula por aí: “Fulano , você vai nomear esse cara para o cargo? Não faça isso, esse cara é metido a honesto, vai atrapalhar tudo”. Inclusive os envolvidos em interesses ilegais e ilegítimos não pronunciam a palavra honesto e sim metido a honesto para evitar o contraste absurdo entre a dignidade pessoal e o propósito da indicação projetada.
A falta de um projeto de desenvolvimento econômico e social que motive a população, como aconteceu nos anos dourados do governo JK, termina conduzindo uma parte expressiva das pessoas para avançar na escala social de uma maneira diversa daquela que marcou o desenvolvimento do país e a abertura de perspectivas que libertaram uma grande parte da população da busca por um emprego público.
Antes da industrialização que começou em 1956 e foi interrompida por Jânio Quadros em 1961, as perspectivas de homens e mulheres eram restritas ao ingresso nas administrações federais, estaduais e municipais. Não havia outra motivação influente no comportamento da sociedade. A partir de JK passou a haver. O processo de desenvolvimento refletiu-se em todas as áreas. Na área eleitoral, sobretudo.
PARTICIPAÇÃO FEMININA – Até 1955, a participação da mulher no voto estava restrita a um terço do eleitorado brasileiro, embora a população feminina pesasse, como pesa hoje, em 52% da população. A diferença entre uma percentagem e outra revelava o desinteresse. Mas hoje, a presença feminina nas urnas é absolutamente igual à percentagem que ocupa na população, 52% a 48%.
A falta de perspectiva gerou e gera um desvio de propósito. Este passou a ser, em percentagem elevada, por participar em esquemas corruptos. Seria até interessante, além do dicionário proposto por Ruy Castro, uma pesquisa sobre a presença da corrupção no Produto Interno Bruto brasileiro. Porque a todo instante surgem reportagens, principalmente no O Globo, na Folha de S. Paulo e no Estado de S. Paulo, revelando esquemas de corrupção detectados e detonados.
Veja-se agora o caso dos ônibus que estavam para ser comprados através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Veja-se o caso das verbas liberadas pelo MEC a pastores evangélicos, cujo evangelho por sinal é usado para seguir a estrada do enriquecimento, inclusive pessoal.
EXEMPLOS – Existem muitos outros casos. Devemos levar em consideração os que não surgiram nas páginas de jornais também, e que são um marco de defesa que a sociedade possui para se livrar da carga total dos efeitos produzidos pelas ações de corruptores e corruptos. O mensalão foi um exemplo, o petrolão outro, o caso dos irmãos Batista, o caso da Odebrecht, para não estender muito as citações e correr o risco de esquecer alguém ou algum grupo, cito o exemplo dos personagens da Lava Jato.
As sentenças foram praticamente anuladas, mas os fatos não. Eles ficam como exemplo da presença marcante dos ladrões de casaca de Hitchcock, que pela primeira vez, com Joaquim Barbosa e Sergio Moro, foram para a prisão. Mas os episódios ficaram no passado. O processo do envolvimento, da sedução e do sobrepreço continua. Talvez se eternize como os diamantes.
PROPINA – Como exemplo de expressões que precisam ser revistas no dicionário da corrupção, surge a palavra propina que era sinônimo dos 10% de acréscimo nas contas dos restaurantes, destinado aos garçons. A propina, especialmente a partir do petrolão, tornou-se sinônimo de comissão por fora, acréscimo de preço, participação percentual em contratos e pagamentos.
Tenho a impressão de que principalmente nas empresas estatais não existe hoje nenhuma aquisição de material, nenhuma contratação de serviços desnecessários que não inclua propina. Alguém recebe. E tem mais. Os que tratam diretamente com os contratos, encabeçam a lista. Mas os setores que efetuam os depósitos em contas, também participam. Caso contrário, os depósitos podem custar a sair.
TEBET E LEITE – A senadora Simone Tebet, aliás excelente senadora, candidata do MDB à Presidência da República, em consequência da desistência de Sergio Moro, partiu para tentar um acordo com o ex-governador Eduardo Leite no sentido de formar uma chapa para disputar as eleições de outubro. As possibilidades são remotas. Tanto em termos de voto, quanto em matéria de viabilização da chapa.
Simone Tebet é do MDB, portanto para oficializar a dupla o MDB teria que decidir um acordo em convenção depois que em convenção Eduardo Leite substituísse Joao Doria. Doria venceu as prévias internas dos tucanos. Se agora o PSDB voltasse atrás e decidisse anular a candidatura de João Doria, homologar a candidatura de Tebet, que é do MDB, e aprovar a inclusão de Leite como vice, por aí se constata a dificuldade de tal ideia se concretizar. Inclusive porque não adiantaria a ginástica legal.
Evidentemente que Doria iria romper com o partido e isso eliminaria qualquer possibilidade eleitoral da chapa pretendida, pois não decolaria no Estado de São Paulo, principal colégio eleitoral do país. A ideia de Simone Tebet é uma simples fantasia.
DESISTÊNCIA – Manuel Ventura no O Globo, Julia Chaib, Marianna Holanda e Julio Wiziack, Folha de S. Paulo, nas edições de ontem, relatam em detalhes a aparente desistência de Adriano Pires em presidir a Petrobras e de Rodolfo Landim em assumir a Presidência do Conselho da direção da estatal.
As versões são fantasias, pois não houve desistência, e sim veto. Pois não é possível que alguém indicado para presidir a principal empresa brasileira depois de receber o convite, desista do cargo. O mesmo acontece com Rodolfo Landim, que aliás é presidente do Flamengo. A história, evidentemente, é outra.
CONFLITO – O conflito de interesses alegado na segunda-feira claramente teria sido identificado pelos próprios na sexta-feira. As indicações pelo que o noticiário revela partiram do ministro Ciro Nogueira e do deputado Arthur Lira.
Lira, inclusive, matéria de Bruno Góis, O Globo desta terça-feira, afirma que o conflito de interesses alegado constitui um falso moralismo. A mesma matéria apresenta a participação de Ciro Nogueira nas articulações em favor de Pires e de Landim. Conflito de interesses é outro assunto.