Do reatamento de Jango com a URSS em 1961 à viagem de Bolsonaro a Moscou em 2022

Governo diz que viagem é para tratar de relações comerciais

Pedro do Coutto

Da mesma forma que ao longo dos séculos nenhuma obra de arte, seja literária, peça de teatro ou filme, acredito, que tenha sofrido interdição ou censura deixou de ser veiculada ou exibida depois de alguns anos, os lances da política internacional correm o mesmo percurso. E, assim, os posicionamentos de ontem tornam-se  contraditórios como os de hoje.

No campo da arte cito “A mulher do padeiro”, filme francês de 1941 proibido por idade durante muito tempo e que hoje focaliza apenas um episódio banal facultado a qualquer idade. No campo da política internacional recordo-me que em 1961 o presidente João Goulart certo dia convocou o ministro do Interior, Santiago Dantas, e disse que ele fosse ao Congresso naquela tarde e anunciasse a retomada das relações do Brasil com a União Soviética.

EXTREMISMO – A repercussão na extrema-direita brasileira foi grande. Essa posição ideológica era liderada pelo governador Carlos Lacerda. A mesmo a posição ideológica extremista em 1964, também na área da Guanabara governada por Lacerda, prendeu a missão comercial chinesa que estava alojada na Rua Senador Vergueiro sem qualquer motivo concreto. “Eram chineses, portanto eram comunistas”. A antiga União Soviética era comunista e sua política expansionista na Europa assustava o mundo ocidental, daí surgiu a OTAN.

Passado o reatamento com a Rússia em 1961, a viagem de Bolsonaro a Moscou em 2022 tem um longo percurso, mas que funciona para mostrar a imagem da extrema-direita no espelho de um realismo político inevitável. A China transformou-se no principal parceiro comercial do Brasil.

A Rússia transformou-se numa potência ditatorial mais capitalista e o presidente Jair Bolsonaro entre os motivos que apresentou para a sua viagem, numa hora crítica, foi a e que era importante para o Brasil expandir transações comerciais com empresas da Rússia de Putin. Como os extremistas da direita de ontem podem interpretar a viagem de Bolsonaro que começou na terça-feira ?

PERPLEXIDADE – Os que conseguiram atravessar o mar das décadas devem estar perplexos consigo mesmos, pois viam na política, o que significa um erro colossal, uma competição praticamente esportiva, ideológica, sem considerar os inevitáveis e eternos lances da economia e do comércio. A crise na Ucrânia parece ter  reduzido, mas o fato é que, não sei por qual motivo verdadeiro, a Rússia  teme tanto o ingresso da Ucrânia na OTAN.

No pós-guerra, em 1948, ainda governada por Stálin, a União Soviética cercou as fronteiras da antiga Iugoslávia, pois o governo do Marechal Tito, segundo o Kremlin, afastava-se da ortodoxia do comunismo. A União Soviética já havia expandido o seu domínio sobre Hungria, a Polônia e a antiga Tchecoslováquia.

Em 1968, o governo de Moscou invadiu a Tchecoslováquia, esmagando o movimento voltado para a liberdade política que ficou conhecido como a “Primavera de Praga”.  A OTAN representava assim a união de forças internacionais militares para bloquear qualquer outra iniciativa de expansão do comunismo, mas a ameaça desaparece na névoa do tempo. Hoje, ao contrário de ontem, o comunismo transformou-se num tigre de papel.

UM CONTRA O OUTRO – Certamente, há eleitores de Bolsonaro perplexos com o que parece ser um lance de dados em favor da esquerda internacional. As correntes inspiradas no fanatismo são assim, só acreditam na tese de um contra o outro e na perspectiva de vitória como se fosse uma luta de boxe. Décadas depois do reatamento que João Goulart promoveu com a União Soviética, as relações internacionais entre os dois países são confirmadas pela visita de Bolsonaro a Vladimir Putin.

O Brasil havia rompido com a União Soviética em 1947 por causa de um incidente com um embaixador brasileiro em Moscou, Soares de Pina.Os Estados Unidos mesmo no auge da Guerra Fria nunca romperam suas relações diplomáticas com Moscou. Eis aí uma diferença inexplicável.

TEBET SEM MANDATO –  Renato Machado e Julia Chaib, Folha de S. paulo, assinalam as articulações da senadora Simone Tebet que se empenha agora para promover uma união entre a União Brasil e o seu partido, o MDB, aproveitando-se de uma divisão tucana da corrente do PSDB que deseja afastar-se da candidatura de João Doria.

Simone Tebet tem as condições para ter êxito nessa articulação, mas infelizmente sua candidatura não tem possibilidade de vitoria. Mesmo que nas próximas pesquisas ela tenha avançado alguns pontos, ainda está distante da liderança na maratona. É uma pena que ela a partir de janeiro de 2023 fique sem mandato e o Senado perca uma de suas melhores e combativas figuras, isso porque ela se elegeu em 2014 por Mato Grosso do Sul e seu mandato de oito anos, portanto, termina agora no início de 2023.