Cineasta pernambucana resgata memória de Clarice Lispector

Do JC Online

Há quase um sobre-esforço intelectual e artístico em manter a memória de Clarice Lispector ao Recife. Em meio ao abandono de alguns equipamentos públicos ligados à escritora, obras têm demarcado a presença dela na Cidade. Como é o caso do novo documentário “A Descoberta do Mundo”, da cineasta pernambucana Taciana Oliveira.

A produção, que faz uma imersão na vida e obra de Lispector, estreia na próxima terça-feira (14), no Festival Latino Americano de Cinema em São Paulo. Em Pernambuco, ainda não há uma data certa para exibição, mas a autora pretende levar ao Teatro do Parque, no Centro do Recife.

Segundo Taciana, o filme levou muitos anos para ficar pronto. Sem recursos para a finalização, ele chega mais de seis anos após o início da produção. “Passada toda essa maluquice que estamos vivendo com os ataques ao cinema, conseguimos trazer de volta 4 anos depois com a finalização. Fomos selecionados para o festival e estreamos de forma presencial em São Paulo, no dia 14 de dezembro”, conta a documentarista.

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Cartaz do novo documentário sobre Clarice Lispector

O grande trunfo do novo material audiovisual sobre Clarice, talvez, seja a sua entrevista para a TVE Rio de Janeiro (atual TV Brasil). Com a ajuda da biografa Teresa Monteiro, que também assina o roteiro do filme, Taciana exibirá os minutos inéditos de entrevista da escritora ao programa “Os Mágicos”. “Eu e Teresa temos uma parceria. Ela estava fazendo a biografia, quando ela fez uma pesquisa no Acervo Nacional. O filme (com a entrevista) não estava digitalizado, não sabia nem se ele funcionava. Levamos para ser escaneado e vimos que tinha 5 minutos de entrevista com Clarice”, enfatiza Taciana.

Embora não tenha todo o material, essa entrevista norteia tanto a nova biografia quanto o novo livro. Mas não é só isso que ela traz. Traçando uma linha cronológica sobre a vida da escritora, o documentário traz o depoimento de Lispector ao Museu da Imagem e do Som, de Curitiba, intercalando com depoimentos de amigos e familiares e sua relação com o Recife e o Rio de Janeiro. Ela também reitera que foi necessária a união de equipes no pós-produção de São Paulo, João Pessoa, do Recife e do Rio de Janeiro e Fortaleza para que ele fosse realizado.

Abandono da memória

Tanto Teresa quanto Taciana apontam esse “desprezo” à memória de Clarice com a cidade. Sem um destino, a casa em que a escritora viveu na Praça Maciel Pinheiro, na Boa Vista, está abandonada. Recém-tombada pelo Governo de Pernambuco, através da Fundarpe, o imóvel de número 347 pertence à Santa Casa de Misericórdia. Em uma parceria com a Fundação Joaquim Nabuco – que venceu um edital de licitação de restauro -, houve uma promessa de recuperação da casa orçada em mais de R$ 1 milhão, no ano passado. Um ano depois, a promessa não saiu do papel.

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Situação em que se encontram algumas praças da Região Metropolitana de Recife. – FOTO: FILIPE JORDÃO
“Gostaríamos de não apenas transformar num local de preservação da memória de Clarice, mas também de sua família. Elisa, a irmã mais velha, tem um papel importante. E como estamos falando de memória cultural da cidade, esses espaço também será dedicado a outros escritores pernambucanos desse mesmo recorte temporal. O objetivo é fazer do sobrado uma extensão da Fundação, um centro dedicado a ações de literatura”, disse Mário Hélio, que está à frente da Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca), à época ao .

Para Taciana, o restauro do imóvel não é o suficiente para preservar essa memória. Seria necessário um resgate do Centro, como a própria estátua de Clarice na Praça Maciel Pinheiro, para que a Cidade tenha sua ligação afetiva à memória preservada. “Não adianta a gente reformar sem a gente urbanizar. O recife como um todo não pensa numa memória sobre as pessoas que fazem cidade. Como a gente vê a casa de Clarice, tem também a casa de Joaquim Cardoso. A gente não tem memória”, conta a cineasta.

Quem passa pelo local, em frente ao casarão ou à estátua da Maciel Pinheiro, só identifica a ligação de Lispector com a cidade a partir de placas indicativas. Assim como boa parte do Centro, a área não tem plano de moradia popular – a qual é tomada por pessoas em situação de rua -, além da sujeira, falta de restauro e o predomínio de pombos. No mês passado, a Prefeitura do Recife (PCR) chegou a apresentar um novo modelo para a urbanização do Centro da Cidade, que ficou conhecido como Recentro, que prevê a requalificação dos bairros que fazem parte da área central.

Hoje, não há nenhum espaço que se dedique a preservar a memória de Clarice no Recife, diferente do Rio de Janeiro. A própria Teresa Montero, que tem um acervo sobre a escritora, tem o desejo de doar o material para a Capital Pernambucana. Há livros sobre a obra de Clarice, artigos em jornais e revistas. A obra dela editada por várias editoras, xerox de documentos do acervo de Clarice na Fundação Casa de Rui Barbosa estariam entre os documentos apresentados pela autora.