Bruno Boghossian
Folha
Há menos de cem dias, Jair Bolsonaro (PL) parecia estar num beco sem saída. O presidente andava em guerra com o STF (Supremo Tribunal Federal), não conseguia pôr de pé o programa social considerado crucial para sua reeleição e voltava a ouvir sussurros no Congresso sobre o risco de um processo de impeachment.
Àquela altura, Bolsonaro sabotava os acordos e mostrava estar mais interessado em roubar a eleição do que em pedir votos. Só depois de colher derrotas sucessivas, ele decidiu acomodar uma operação política que começa a dar fôlego para seu ano final de mandato.
SEMANA AUSPICIOSA – O presidente, que já subiu na caçamba de uma caminhonete para anunciar que não pretendia “negociar nada”, teve nos últimos dias quatro boas notícias que podem ser creditadas aos contratos que ele assinou em Brasília.
Bolsonaro termina a semana com um novo ministro rumo ao Supremo e o caminho aberto para pagar a primeira parcela do Auxílio Brasil. O presidente também conseguiu encerrar a novela de sua busca por um partido e viu uma barreira de segurança ser erguida nas investigações das “rachadinhas” contra o filho Flávio.
Essas vitórias são frutos de dois arranjos principais: a rendição de Bolsonaro após sua longa campanha de ataques a ministros do STF e a sociedade formada pelo governo com os partidos que formam sua base de apoio.
CENTRÃO EM ALTA – No segundo caso, o presidente já dormia e acordava com as siglas do centrão havia alguns meses, mas passou a oferecer ganhos mais atraentes para um grupo maior de políticos.
O Palácio do Planalto formou um consórcio com o Congresso para aprovar a proposta que abre um espaço generoso no Orçamento do ano que vem. A PEC dos Precatórios libera os bilhões necessários para o Auxílio Brasil, mas também facilita a matemática que permite a distribuição de verbas para as bases políticas de deputados e senadores.
Para chegar ao acerto, a cúpula do governo atropelou restrições impostas pela equipe econômica, fez uma série de concessões aos parlamentares e abandonou de vez a bandeira do teto de gastos, em que ainda se embrulhava o ministro Paulo Guedes. A lógica política e as cobranças feitas pelos aliados prevaleceram.
MAIS UM NO STF – Costuras políticas também favoreceram a indicação de Bolsonaro para a cadeira aberta no STF em julho, com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello.
O presidente enfrentava um cenário adverso para a aprovação de André Mendonça —a começar pela resistência provocada pelos disparos do Planalto em direção ao tribunal. A cruzada de Bolsonaro dava um verniz institucional à relutância particular do presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que deixou a indicação na gaveta por quase cinco meses.
A trégua articulada em favor de Bolsonaro pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), no início de setembro, começou a desbotar aos poucos aquele revestimento e provocou pressões para que o nome de Mendonça fosse finalmente incluído na pauta.
PROMESSAS, PROMESSAS… – O segundo movimento foi protagonizado pelo futuro ministro. Na sabatina de quarta-feira (1º), Mendonça trabalhou para abandonar o estigma lava-jatista e ofereceu uma promessa de preservação da classe política. Além disso, modulou seu perfil governista e religioso, a fim de reduzir resistências de senadores independentes e oposicionistas.
Tudo indica que foi um jogo combinado com Bolsonaro e seus padrinhos evangélicos. Depois da aprovação, aliados disseram que as respostas de Mendonça haviam sido ensaiadas e que ele ainda seria um representante evangélico no tribunal. Já o presidente disse que o novo ministro tem compromissos com o governo.
A PEC dos Precatórios e a aprovação de Mendonça eram tópicos mais do que sensíveis para um presidente com popularidade rasteira. Bolsonaro pagou o preço necessário para obter vantagens eleitorais a partir dessas duas vitórias.
ATRAINDO ELEITORES – O pagamento do Auxílio Brasil, permitido pela PEC, pode ajudar o presidente a tirar do chão seus índices de aprovação no eleitorado mais pobre. O desempenho pífio de Bolsonaro nesse segmento das pesquisas é o principal fator de risco para sua campanha no ano que vem.
De outro lado, a chegada de um ministro evangélico ao Supremo deve fazer com que o presidente mantenha a lealdade de líderes religiosos. Esse deve ser o caminho de Bolsonaro para reconstruir uma base de fiéis dessas igrejas, que se distanciaram do governo com o agravamento da crise econômica.
As acomodações políticas do presidente também lhe renderam, durante a semana, uma legenda para enfrentar a disputa de 2022. Filiado ao PL do ex-deputado Valdemar Costa Neto, Bolsonaro ganha uma estrutura de campanha mais robusta do que a plataforma que usou em 2018, mas também se vê obrigado a aposentar definitivamente o personagem que simulava uma rejeição aos partidos tradicionais.
SEM “RACHADINHAS” – O clã presidencial recebeu ainda uma notícia reconfortante nos tribunais. Na terça (30), o STF determinou a anulação de provas da investigação sobre a “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro. Era improvável que o tribunal entregasse essa vitória à família enquanto Bolsonaro não interrompesse suas investidas contra a corte –o que só ocorreu em setembro.
Os acordos políticos e as concessões feitas por Bolsonaro são escolhas feitas para garantir sua sobrevivência. Estão, portanto, distantes de qualquer experiência genuína de moderação. Na quinta-feira (2), por exemplo, o presidente voltou a questionar a eficácia das vacinas contra a Covid, numa continuação de sua campanha de desestímulo à imunização.
A sequência de vitórias de Bolsonaro nesta semana se deu nas áreas de influência da articulação política. Fora dessa zona, o presidente continua em risco. O PIB estagnado, divulgado na quinta, é uma amostra de que nem tudo é negociável.