Moro, suspeito condenado pelo grato e indolente STF. Por José Nêumanne*

Por José Nêumanne*

Por 7 a 2, ministros indicados por FHC, Lula, Dilma e Temer para o Supremo Tribunal Federal (STF) cancelaram todas as decisões de quatro instâncias, inclusive a própria, para rasgarem a lei de iniciativa popular da ficha limpa e a capivara de um deles, Lula. O decano Marco Aurélio Mello pediu vista, não tem prazo para liberar a votação final e só quando o fizer se saberá como votará o presidente, Luiz Fux. Mas o ex-juiz Sergio Moro, que o condenou, foi por eles condenado a ser suspeito. Uma inovação em que jogaram na lixeira o conceito romano “em dúvida, a favor do réu”.

Foram negados os recursos da defesa contra a sentença em votações unânimes no Tribunal Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no próprio STF, estes de Brasília. As provas apresentadas pela Operação Lava Jato foram mantidas. A sentença e as votações em segunda, terceira e quarta instâncias nunca foram revistas. Na votação nada foi dito de substantivo que pudesse desabonar o ex-juiz, desembargadores e ministros que não atribuíram aos procuradores a condição de “quadrilheiros”, expressa em voto pelo comando de caça aos combatentes contra a corrupção, sob a chefia de Gilmar Mendes.

Na tal Corte, por mero apreço à fiel guarda da Constituição e dever perante o povo que lhes paga os mais altos vencimentos do serviço público, dois deles, se não todos, deveriam recusar-se a julgar o pleito em questão por… parcialidade. Mendes tem mostrado muito amor aos textos e desprezo aos fatos. Nomeado por Fernando Henrique, fez os mais desaforados discursos contra o Partido dos Trabalhadores (PT), do beneficiário de sua guerrilha particular. Foi o voto decisivo para a adoção da jurisprudência da decretação de prisão de condenados em segunda instância. Por “coincidência”, mudou de opinião quando os tucanos se tornaram alvos da “quadrilha” da Lava Jato. Berrou, estrebuchou, fez caretas e citou juristas alemães na língua de Adolf Hitler, até conseguir virar a jurisprudência.

Ricardo Lewandowski, indicado por Orestes Quércia para o Tribunal de Alçada, agora de Justiça do Estado de São Paulo, chegou ao topo da carreira com uma canetada de Lula. Revisor do mensalão, lutou contra o relator, Joaquim Barbosa, e foi vencido nas tentativas de inocentar asseclas do padroeiro. Poderia ter usado o tempo que a lerdeza da Justiça brasileira permite para corrigir, a seu talante, a sentença de Moro. Preferiu a gratidão indolente para dar seu voto a favor do chefão Lula na estratégia planejada na cela da Polícia Federal em Curitiba com o blogueiro norte-americano Glenn Greenwald, condenado por crimes financeiros em Nova York. Seu voto omitiu mensagens obtidas por criminoso hackeamento de mensagens telefônicas, cuja autenticidade nunca foi submetida a perícia alguma, ao alcance de requisições de quaisquer julgadores. O colega Luís Roberto Barroso acusou-o de provocar o lema “o crime compensa”. E, acrescento, podem ser validadas provas obtidas sob tortura. Como Mendes, nunca se eximiu da parcialidade óbvia de seu voto, limitando-se a fornecer a colegas menos dotados de inteligência, como Cármen Lúcia, a desculpa esfarrapada que inspirou a virada de casaca do combate ao apoio à corrupção em fatos novos. Sem apontar um só para atenuar o cinismo de sua pirueta farisaica.

E, assim, a velha ilusão de que todo ministro do STF, mais dia, menos dia, volta a ser pagão, abandonando seu padrinho de pia, desmanchou-se e foi substituída pela caradura reinante, que induziu o protégé-geral da República, Lula, a ir ao Twitter proclamar que ele é o único beneficiário do mimo. Este foi desmentido no dia seguinte, quando o coleguinha daqueles Alexandre de Moraes, autor da censura ignóbil à revista Crusoé, que ousara denunciar manobra defensiva do então presidente do nada excelso pretório, Dias Toffoli, de livrar a própria mulher e a de Mendes da xeretice de fiscais da Receita, tirou Temer das garras de Bretas, o Moro do Rio. E o desviou para o colo fofo de Brasília. É notório que ele foi ministro da Justiça e alçado ao STF pelo réu.

Nos últimos dias, os esgares de Mendes não conseguem esconder a estratégia do falso jornalista ianque, “flagrando” a suspeição do ex-juiz da 13.ª Vara ao aceitar o convite de Bolsonaro (eleito em votação direta periódica), para o Ministério da Justiça. E transformando o que sempre foi uma missão honrosa em opróbrio. Ou pelas insinuações de suas tendências políticas de direita, como se a democracia cabocla fosse reservada apenas a quem professe a fé cega e faca amolada de que o taumaturgo de Garanhuns tenha sido vítima de perseguição judicial.

Ao higienizar a ficha imunda do ex-dirigente sindical, o ex-militante petista Edson Fachin vendeu a ilusão de que estava tentando evitar a punição daqueles que sempre exaltou em seus votos, ora vencidos. Mas estes não dependem de manobras desse gênero. E, sim, da malandragem de cortesãos que se recusam a cumprir seu dever de verdade e tornam a virtude da gratidão pecado da balofa indolência, muito bem paga e mal-intencionada.

*Jornalista, poeta e escritor