“Viúva sem nunca ter sido”, por Marina Moraes

*Por Marina Moraes

Ontem, morreu o Bruno e eu fiquei como a viúva da novela, a que foi sem nunca ter sido.

Eu era uma menina tonta. Ele, um homem maduro e, aos meus olhos, poderoso. Me deu seu numero e eu liguei para falar de trabalho. Uma mulher atendeu e perguntou se eu queria falar com o Bruno pai ou o filho.

Dada a nossa diferença de idade, assumi que ele era o pai, mas quem veio ao telefone foi um senhor de mais de setenta anos, o verdadeiro Bruno pai, com quem ele vivia.

“Conversávamos horas sobre os temas que nos interessavam, sobretudo cinema e literatura”.

Bruno Pardini Junior era solteiro, bem sucedido no mercado publicitário, tinha um carro conversível e um cachorro lindo. Era extremamente engraçado e educado. Não me arrumou um emprego, fiz isso sozinha, mas se encantou por mim e me supervisionava de longe. Todo mundo sabia desse amor, ele não escondia.

Eu tinha um misto de vaidade com vergonha. E era encantada com ele também, um homem charmoso e culto, que sabia um pouco de tudo e muito de algumas coisas. Eu lia, assistia, experimentava tudo que ele recomendava. E conversávamos horas sobre os temas que nos interessavam, sobretudo cinema e literatura.

Uma vez, papeando no parque, ele pediu para o vendedor de sorvete estacionar o carrinho ao lado e tomamos um número absurdo de picolés, um atrás do outro. Enquanto teve assunto, teve sorvete.

Me cortejava com gestos exagerados como deixar de presente um Jeep cheio de flores na porta da minha casa.

“Era uma paixão inventada, apesar de real”.

Mande esse senhor levar isso embora, disse meu pai. Numa Páscoa, veio com um ovo tão grande e pesado que precisávamos de uma marretinha para quebrar os pedaços na hora de comer. E me deu um cocker spaniel preto e branco, alegre e querido, que batizamos de Bruno.

Italianíssimo, gostava de ópera e de chorar na ópera. De vinho e de pasta. Tinha uma mania que eu odiava que era a de juntar as mesas no restaurante toda vez que encontrava os amigos. Não eram poucos.

Foram anos de amizade, carinho e cumplicidade. Amadurecemos os dois naquela travessia misteriosa. Acompanhou de longe meus namoros, tinha ciúme, sofria, mas sabia que a nossa era uma paixão impossível. Acho até que inventada, apesar de real.

Quando me casei, ele mandou uma coroa de flores com uma mensagem de pêsames. Mas era só para marcar presença, um ato de encerramento do drama porque, na verdade, estava muito bem sozinho. Me confessou uma vez que eu era a sua desculpa para ficar solteiro.

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     *Marina Moraes é jornalista e escritora

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