Desde que foi inaugurada, no dia 30 de dezembro, a escultura “Diva”, da artista plástica Juliana Notari, tem causado polêmica. A obra, que representa uma vulva, está instalada no parque artístico-botânico Usina de Arte, em Água Preta, Pernambuco.

Não vou entrar na discussão sobre o valor artístico da obra, nem me deter na polêmica que causou (há um aspecto levantado pelo movimento negro que é muito importante), mas de tudo o que já foi dito sobre “Diva” fica uma certeza: quase ninguém sabe o que é uma vagina.

A artista Juliana Notari sabe.

'Diva': obra instalada na Usina de Arte gerou ebulição nas redes sociais e debate sobre os mais variados temas Foto: Divulgação
‘Diva’: obra instalada na Usina de Arte gerou ebulição nas redes sociais e debate sobre os mais variados temas Foto: Divulgação

Quando postou em seu Instagram sobre a finalização da obra, ela escreveu: “Diva é uma land art, uma enorme escavação em formato de vulva/ferida medindo 33 metros de altura, por 16 metros de largura e 6 metros de profundidade, recoberta por concreto armado e resina”.

Mas parece que ninguém leu o que Juliana escreveu.

Praticamente todas as matérias publicadas pela imprensa brasileira ou internacional (a polêmica virou notícia no britânico “Guardian” e no português “Jornal de Notícias”) dizem que a obra representa uma vagina. Mas isso não é verdade. E quase todos os textos a respeito de “Diva” tratam as palavras “vulva e “vagina” como sinôminos. Não são.

É impossível ver uma vagina sem uso de equipamento médico; o que a obra de Juliana Notari nos mostra é uma vulva. Infelizmente para a saúde e a sexualidade das mulheres, todo mundo confunde as duas. Mas vamos deixar uma especialista explicar:

Em entrevista à jornalista Leda Antunes, da plataforma Celina, a ginecologista Neila Maria de Gois Speck, com mais de 30 anos de prática médica, ressaltou o erro tão comumente cometido e explicou a diferença entre vagina e vulva:

— O primeiro erro é usar “vagina” como um termo genérico. Na verdade, quando falamos da parte externa, estamos falando da vulva. A vagina é o canal vaginal, e a mulher só consegue ver sua entrada. A vagina, que liga a vulva ao colo do útero, é o médico quem vê, no consultório — disse a ginecologista.

Mas, apesar dos esforços de médicas como Neila Speck, confundir vulva e vagina é um erro tão comum que até mesmo a série “Sex Education”, da Netflix, o fez. E não foi uma vez, mas duas.

Na primeira temporada, a foto de uma aluna nua circula pela escola. Para apoiar a vítima de sexting, um grupo de garotas se organiza com o grito de “é a minha vagina”. A cena, que é uma grande prova de sororidade e também um dos melhores momentos da série, seria correta se as personagens tivessem dito “é a minha vulva”, afinal é essa a parte visível na imagem.

Já na segunda temporada, a série que pretende tratar de sexualidade de forma objetiva, despudorada e bem-humorada, escorrega outra vez. No quinto episódio, a terapeuta sexual interpretada por Gillian Anderson (logo ela!) fala sobre os pontos de prazer da vagina enquanto aponta para a maquete de uma vulva. Na sequência, ela remove o clitóris da maquete como se ele fosse um botão. Nada mais falso: o clitóris é extenso, tem mais de 8 mil terminações nervosas, e é um dos grandes responsáveis pelo prazer sexual feminino. Ele não é só um botãozinho.

Mas nada como uma mulher bem informada para deixar vulva e vagina em seus respectivos lugares:

Em um episódio da série “The Goop Lab” (Netflix), em que Gwyneth Paltrow investiga tendências de estilo de vida, a atriz anuncia empolgada o “nosso tema favorito: as vaginas!”. Neste momento, a educadora sexual americana Betty Dodson, que até sua morte em novembro do ano passado ensinou gerações de mulheres a se masturbarem, a interrompe: “Vagina, não! A vagina é apenas o canal. Você tem que falar da vulva, que inclui o clitóris, os lábios e todas as outras coisas boas ao redor.”

Saber a diferença entre vulva e vagina é conhecimento básico da anatomia feminina. De posse disso, mulheres podem compreender melhor seus corpos e entender o que lhes dá prazer. Já homens heterossexuais podem perceber como funciona a sofisticada sexualidade feminina e constribuir para que o sexo seja uma experiência menos falocêntrica e mais prazerosa para suas parceiras.

Depois de saber que vulva e vagina são coisas diferentes, vale atentar para outros aspectos dos genitais femininos. Para isso, recorri à médica Márcia Terra Cardial, que é ginecologista, professora assistente da Faculdade de Medicina do ABC e membro da Comissão Nacional de Especialistas de Trato Genital Inferior da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia

— A maioria das pessoas, incluindo as mulheres, não sabem diferenciar vulva e vagina. É importante que o ginecologista sempre converse, explique e pergunte porque, muitas vezes, a mulher diz que o problema é na vagina, mas na verdade é na vulva. — explica a médica Márcia Terra Cardial, para quem o conhecimento é fundamental para a mulher se aceitar e até para ter prazer no sexo. — Se conhecer é um grande passo para se aceitar e se gostar. Antes, as mulheres não faziam isso, mas hoje elas se olham e se tocam. Mesmo assim, ainda há muitos mitos quando falamos sobre a vulva e a vagina.

Ilustração indica as partes da vulva: clitóris, grandes e pequenos lábios protegendo a entrada da uretra e abaixo, da vagina; e logo abaixo, o períneo e o ânus Foto: WikiCommons
Ilustração indica as partes da vulva: clitóris, grandes e pequenos lábios protegendo a entrada da uretra e abaixo, da vagina; e logo abaixo, o períneo e o ânus Foto: WikiCommons

E já que os mitos são muitos, pedi à ginecologista para explicar, objetivamente, os genitais femininos. Vamos lá:

Primeiro, ela conta que os genitais das mulheres são divididos em externos e internos. O genital externo é a vulva. Nela estão grandes e pequenos lábios, clitóris e seu prepúcio e o introito, que vai até o hímen ou seus resquícios. O genital interno é a vagina, um canal que vai do hímen até o colo do útero. A vagina tem de 7 a 8 cm, mas, na excitação, pode chegar a 10cm.

Vulva: é o genital externo e tem a função de proteger a abertura da vagina e a uretra, que é por onde sai a urina. Possui glândulas sudoríparas e sebáceas e, por isso, transpira e exala odor. Tem muita inervação, especialmente na região do clitóris. A vulva deve ser examinada pois pode ter cistos, glândulas, verrugas, manchas, lesões e tumores. Na vulva, vemos apenas a entrada do canal vaginal (agora, você já sabe o que mostra a obra da artista Juliana Notari, certo?).

Vagina: é o genital interno, um canal que vai do hímen ao colo do útero. Dela pode sair um conteúdo aquoso, que é normal até a menopausa, e muitas vezes é confundido com corrimento, mas que não tem odor desagradável nem causa coceira. Na gestante, o colo do útero dilata no parto, e a vagina se abre para a passagem do bebê. É também pelo canal vaginal que é eliminado o fluxo menstrual.

clitóris: Tem a mesma origem embrionária do pênis e recebe muita vascularização e inervação, sendo portanto bastante sensível. Com mais de 8 mil terminações nervosas, ele é um grande responsável pelo prazer sexual da mulher, quando estimulado. Na vulva, vemos apenas a glande do clitóris, mas ele se estende por dentro da vagina e pode ter até 10 centímetros de cada lado da glande.

Agora que todos sabem a diferença entre vulva e vagina, a médica Márcia Terra Cardial ensina como deve ser feita a higiene dos genitais femininos:

— A vulva deve ser limpa suavemente, com sabonetes com PH baixo, e nunca com sabonetes microbianos. Não se deve fazer ducha ou lavagem no canal vaginal, pois hoje sabemos a importância de manter as bactérias em equilíbrio. Usar água morna mais para fria, e preferir sabão de coco na higiene das roupas íntimas.

O GLOBO