A revolta da vacina. Por José Adalbertovsky Ribeiro

comentarista Por José Adalbertovsky Ribeiro – Jornalista e escritor

MONTANHAS DA JAQUEIRA – Marxistas costumam dizer que a historia se repete, na primeira vez como tragédia e na segunda como farsa. Lembro como se fosse anteontem da Revolta da Vacina, episódio histórico acontecido, início do século passado, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, cidade dos bicheiros, traficantes e da “gaiola de ouro” dos corruptos, apelidada de maravilhosa.

Transcrevo a seguir uma amostra-grátis de capítulo do meu livro, a ser lançado em breve, a respeito do tema. Lá vou eu:

“O Rio de Janeiro, então Distrito Federal, início do século 20, era uma cidade pestilenta e nada maravilhosa, assolada por epidemias de varíola, febre amarela e peste bubônica.

O presidente da República, Rodrigues Alves, um cara politicamente rochedo, nomeou em 1904 o cientista e médico sanitarista Oswaldo Cruz como chefe da Diretoria de Saúde Pública, cargo equivalente hoje ao de ministro da Saúde.

(Reeleito para um segundo mandato presidencial em 1918, Rodrigues Alves testou positivo e faleceu vítima da virulenta gripe espanhola)

O engenheiro Pereira Passos foi nomeado prefeito da cidade no objetivo de adotar medidas de reurbanização, saneamento e erradicação de moradias infectadas. Houve demolição de casebres, desalojamento de famílias, abertura de valas e esgotos. O caos urbano entrou em polvorosa.

Oswaldão recebeu a missão heroica de erradicar as doenças, assassinar os ratos e exterminar os mosquitos Aedes aegypti, transmissores da febre amarela, ele mesmo o causador da dengue.

O Rio de Janeiro e o Brazil vinham de efervescências políticas entre remanescentes da Monarquia no século anterior e os novos republicanos. Os conflitos se acirraram.

Em meio às epidemias de larga escala no Distrito Federal, foi editada lei presidencial, em janeiro 1904, tornando obrigatória em todo o País a vacina contra a varíola. A mundiça protestava: “É golpe!” “Força, Aedes aegypti!”, “Força, Orthopoxvirus!”, a pretexto de defender direitos individuais, os direitos de contrair doenças.

Ocorreram escaramuças, quebra-quebra, incêndios de bondes. O governo acionou as forças policiais para conter os revoltosos. Houve mortes, feridos, prisões. Mais de 900 pessoas foram presas na Ilha das Cobras, Baia de Guanabara.

Em novembro 1904 foi decretado estado de sítio e revogada a obrigatoriedade da vacina.

As crenças religiosas e lendárias serviram de caldo de cultura para insuflar a chamada revolta popular, em meio aos micróbios pestilentos e às disputas oligárquicas pelo poder.

De grão em grão, de mosquito em mosquito, de bactéria em bactéria, de vírus em vírus, a campanha de vacinação e as varreduras sanitárias comandadas pelo Doutor Oswaldo Cruz redimiram a cidade do Rio de Janeiro-Distrito Federal da epidemia de varíola e excomungaram a febre amarela e a peste bubônica.

Os mosquitos Aedes aegypti faleceram naqueles tempos, mas como possuem sete vidas, feito se diz dos gatos, ressuscitaram ou se tornaram mutantes nos idos presentes e passaram a fornecer a doença da dengue. A ressurreição desses bichos tem o nome de mutação.