Julia Chaib
Folha
Integrantes da área jurídica do governo dizem acreditar que os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) vão reverter em plenário a decisão de Celso de Mello e conceder ao presidente Jair Bolsonaro o direito de prestar depoimento por escrito no inquérito que apura supostas interferências do mandatário na Polícia Federal.
Na quinta-feira (16), o ministro Marco Aurélio Mello suspendeu a tramitação da investigação que tem como base acusações do ex-ministro Sergio Moro (Justiça) até que o conjunto de magistrados da corte se reúnam e julguem o pedido.
MUITAS RESSALVAS – A aposta do Planalto se dá em razão de uma divisão no STF a respeito do assunto. Tanto ministros da chamada ala mais garantista como os mais apoiadores da Operação Lava Jato têm ressalvas quanto à decisão de Celso de Mello, que determinou que Bolsonaro prestasse depoimento presencial.
Segundo ministros e assessores de magistrados ouvidos pela Folha, a maioria da corte inclina-se à posição de que é preciso dar a oportunidade de o presidente se manifestar por escrito.
Apesar da tendência, a ideia de reformar uma decisão do decano da corte, que está prestes a se aposentar, é vista com ressalvas. Pesa o fato de ele ser o mais antigo do tribunal e o respeito que ele tem perante os colegas.
APÓS APOSENTADORIA – Pessoas próximas ao presidente do STF, Luiz Fux, dizem que o ministro pode deixar para pautar o recurso após a saída de Celso, que se aposenta em novembro. Se isso ocorrer, ministros de tribunais superiores dão como praticamente certa a revisão da decisão.
O decano está em licença médica e tem o retorno previsto para o dia 26 de setembro. Antes disso e sem conversar com o ministro, acreditam magistrados, Fux não colocará o tema em discussão.
Apesar de tanto Edson Fachin como Luís Roberto Barroso já terem dado decisões em sentido contrário ao do decano —quando concederam ao então Michel Temer (MDB) o direito de depor por escrito—, na avaliação de pessoas próximas aos ministros, eles poderiam agora adotar um caminho do meio para não reformar a decisão de Celso de Mello.
PRERROGATIVA DO RELATOR – Uma alternativa é decidir que abrir ou não a opção de depoimento por escrito seria uma prerrogativa do relator de cada caso, a quem caberia avaliar a pertinência de cada medida.
A corte tem precedentes de decisões desse tipo, por exemplo, a que define que cabe ao relator a decisão da homologação de acordos de colaboração premiada.
Para outra ala da corte, porém, além de a prerrogativa já ter sido concedida a Temer, a avaliação sobre o depoimento por escrito ou não se trata de uma questão institucional entre os Poderes. Na avaliação de integrantes do governo, Celso de Mello se mostrou em decisões anteriores —como a que quebrou o sigilo de parte da reunião ministerial de 22 de abril— um adversário de Bolsonaro.
INTIMAÇÃO – Na semana passada, a Polícia Federal intimou Bolsonaro a comparecer em oitiva, que estava marcada para ocorrer entre os dias 21 e 23 de setembro às 14h.
Após a notificação, a AGU (Advocacia Geral da União) recorreu e pediu que Marco Aurélio analisasse o caso diante da ausência de Celso de Mello.
Na quinta, o ministro afirmou que é contra a “autofagia” do tribunal e por isso não poderia reconsiderar sozinho o despacho do colega. Assim, optou por suspender a tramitação de todo o inquérito até plenário do STF se debruçar sobre o assunto.
RESPOSTAS POR ESCRITO – No inquérito que apura se Bolsonaro tentou interferir na PF, o próprio procurador-geral da República, Augusto Aras, que pediu a apuração do caso, defendeu que o chefe do Executivo respondesse às questões por escrito.
Aras havia argumentado ao Supremo que, “dada a estatura constitucional da Presidência da República e a envergadura das relevantes atribuições atinentes ao cargo, há de ser aplicada a mesma regra em qualquer fase da investigação ou do processo penal”.
Celso, porém, interpretou que o artigo do Código de Processo Penal que prevê a autoridades a possibilidade de prestar testemunho por escrito trata apenas de oitiva dessas pessoas enquanto testemunhas e não dá esse direito a investigados.
COERÊNCIA ENTRE JULGADOS – No recurso, a AGU solicita que o Supremo “mantenha rigorosa coerência entre julgados” em referência a duas decisões que permitiram que o então presidente Michel Temer depusesse por escrito em inquéritos dos quais era alvo.
Na petição, a advocacia lembra que em 2017, duas decisões —uma de Luís Roberto Barroso e outra de Luís Fachin— permitiram a Temer a entrega do depoimento por escrito no prazo de 24 horas.
“Promover as mesmas prerrogativas a todos aqueles que ostentam as mesmas condições é a solução mais natural e saudável”, escreveu o advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral. “Note-se: não se roga, aqui, a concessão de nenhum privilégio, mas, sim, tratamento rigorosamente simétrico àquele adotado (…) em precedentes muito recentes desta mesma Egrégia Suprema Corte”, continua o recurso.