Fala que eu te escuto, uma análise

 

Por Marcelo Tognozzi*

Gabriel Tarde (1843-1904) viveu numa França chacoalhada por movimentos políticos e sociais como a Comuna de Paris, em 1871. Tarde era um grande observador, estudou sociologia, filosofia, criminalística e psicologia. Entendeu perfeitamente a diferença entre público e multidão, antecipando em mais de 100 anos o comportamento das pessoas nas redes sociais no seu clássico “As Leis da Imitação”, publicado pela 1ª vez em 1890.

Para ele, o público e a multidão são distintos, já que podemos pertencer a diversos públicos, mas nunca a diversas multidões. Tarde batia de frente com o pensador Gustave Le Bon, argumentando que o mundo evoluíra das multidões para o público, enquanto Le Bon entendia aquele mundo dos movimentos sociais e das grandes transformações como sendo a era das multidões.

Quase 1 século e meio depois, as teorias de Tarde e Le Bon se cruzam na era das redes sociais, na qual o público, ou melhor, os públicos, são na verdade bolhas nas quais indivíduos com ideias semelhantes compartilham opiniões parecidas e as multidões virtuais acabam sendo mais cegas e mais desembestadas que as das ruas.

Há quem fale para os públicos e há quem seja capaz de se comunicar com multidões. A percepção que cada ser humano tem da realidade é diferente, construída a partir de um ponto de vista no qual prevalecem a condição social, o nível de educação, as necessidades e expectativas.

Isso fica claro na última pesquisa do Instituto Orbis, de São Paulo, feita para consumo interno do governo, a qual ouviu 16.000 pessoas nas 4 regiões do país de 1º a 30 de agosto. A margem de erro é de 2 pontos percentuais. Afora o registro do aumento da popularidade do presidente, aferida por todos os institutos, revela uma percepção por parte da população muito diferente daquela exibida pela mídia comercial. O presidente Jair Bolsonaro e seu governo estão trabalhando para garantir saúde, bem-estar e proteção à população, afirmam 53% dos entrevistados. Este resultado indica falta de aderência da narrativa do genocídio e do desmonte da Saúde junto aos brasileiros que mais utilizam o SUS e não são clientes dos planos de saúde.

Quando perguntados se conhecem as orientações do Ministério da Saúde para a retomada da economia de forma segura e planejada, nada menos que 80% dos entrevistados disseram que sim, evidenciando eficiência na forma como o presidente e seu governo estão se comunicando com a população durante a pandemia. Este número é praticamente o mesmo em todas as regiões e especialmente alto na maioria do eleitorado, marcando 81% entre os eleitores de 20 a 65 anos.

Dos brasileiros com renda de até R$ 2.000 mensais, 65% disseram ter conhecimento de ações do governo informando e orientando a população sobre como agir durante a pandemia. E 62% dos entrevistados afirmam saber como buscar informações sobre o coronavírus nos canais oficiais do governo federal. Entre os mais pobres, este percentual chega a 60%.

A diferença entre a percepção do público e a da multidão fica ainda mais clara quando a pesquisa capta que as principais fontes de informação das pessoas são os telejornais (48,6%) e a internet (28,4%). A Globo, com maior audiência, é uma crítica feroz do governo e suas políticas de saúde. Embora tenha grande capacidade de disseminar conteúdo, diante destes resultados estaria desconectada da maioria, atingindo mais fortemente uma bolha de pessoas de oposição. Não conseguiria se comunicar eficientemente com a multidão, boa parte dela invisível até ser descoberta pelos técnicos do Ministério da Cidadania. As outras emissoras, com postura menos crítica ou simpática ao governo, têm neutralizado as críticas da concorrente e chegam até a massa dos mais pobres com conteúdos menos ácidos e mais emotivos.

Reparem que entre os mais pobres, 60% se informam pelos telejornais e são justamente os mais satisfeitos, os que mais percebem o governo de forma positiva e dizem conhecer as mensagens do Ministério da Saúde. Mais de a metade dos brasileiros com renda de até R$ 2.000 mensais nunca recebeu qualquer tipo de orientação sobre coronavírus vinda de um médico ou profissional de saúde, situação inversa à dos mais ricos, onde praticamente 70% dos que ganham acima de R$ 5.000 já foram orientados por médicos e paramédicos.

O que podemos concluir desta pesquisa é que, surpreendentemente para muitos, o governo está conseguindo falar para a maioria dos brasileiros, seja porque adotou a política do auxílio emergencial, seja por ter acertado o tom e furado a bolha do seu público, tornando sua comunicação mais capilar, ou pela baixa qualidade da comunicação da oposição. Ou talvez por tudo isso e mais alguma coisa.

Gabriel Tarde dizia que a imprensa tem 2 públicos: o estável e o flutuante. O estável é aquele que acompanha cotidianamente o noticiário, tem senso crítico e é menos vulnerável às manipulações. O flutuante não tem fidelidade a qualquer veículo e está interessando muito mais em emoção do que em informação.

Emoção não é apenas entretenimento, mas também a sensação de segurança proporcionada pelo auxílio emergencial e, de alguma maneira, estar sendo visto e ouvido pelo líder. Neste caso, toda esta gente acaba formando uma multidão com opiniões e sensações transmitidas e compartilhadas por uma espécie de contágio.

É bem aí que os opostos Le Bon e Tarde se conectam. Le Bon explica que este contágio acaba levando a multidão a se identificar com um líder cuja característica mais marcante é ser um homem de ação, não de palavras. E arremata: “Eles (os líderes) não são dotados de perspicaz capacidade de previsão. São especialmente recrutados nas fileiras daquelas pessoas meio perturbadas, nervosas e mórbidas que estão beirando a loucura“.

*Jornalista. Artigo escrito originalmente para o Poder360.