Por que o PT decidiu aderir agora ao ‘fora, Bolsonaro’

Partido fala em ‘aglutinar uma ampla frente’ com ‘todos os democratas’ pela saída do presidente do cargo

Por Isabela Cruz

A direção nacional do PT decidiu na terça-feira (21) encampar a campanha “fora, Bolsonaro”, pela saída do presidente da República. A campanha é apoiada pelo principal líder do partido, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“É preciso começar o ‘fora, Bolsonaro’ porque não é possível a gente permitir que ele destrua a democracia. As instituições já deveriam ter reagido. A única coisa que o Bolsonaro não faz é dizer onde está o Queiroz e quem mandou matar a Marielle. Ele não responde nada”

Luiz Inácio Lula da Silva

ex-presidente em entrevista na quinta-feira (23) à rádio do Povo do Ceará

A declaração de Lula ocorre quatro dias depois de Jair Bolsonaro participar de uma manifestação em Brasília, em frente a um quartel, que tinha como bandeira a intervenção militar e o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.

O ex-presidente cita ainda Fabricio Queiroz, suspeito de operar um esquema de desvio de salários de funcionários de gabinete de Flávio Bolsonaro, quando o senador e primogênito do presidente era deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio.

O petista ainda faz referência ao assassinato da vereadora Marielle Franco, em março de 2018, no centro do Rio. Bolsonaro já foi citado no caso por uma testemunha que depois recuou, tem relações com milicianos suspeitos de executar a parlamentar do PSOL, mas não é alvo de investigações referentes ao crime.

“Preservando nossa identidade e compromissos com os trabalhadores, o PT vai somar esforços com todos os democratas, de forma a aglutinar uma ampla frente com partidos e organizações da sociedade para salvar o país de Bolsonaro e seu governo”

Diretório Nacional do PT

em nota oficial divulgada na terça-feira (21)

O PT tem hoje 53 dos 513 deputados, 6 senadores e 4 governadores (Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte). É o maior partido de oposição a Bolsonaro. Mas não tem força suficiente dentro do Congresso para conduzir um processo que leve à deposição do presidente, mesmo aliado a outros partidos de esquerda.

Sem clareza sobre um pedido de impeachment

Segundo o PT, a bandeira é encampada agora por que é necessária uma “contraofensiva à escalada autoritária do presidente da República”. O objetivo do partido é “mobilizar a sociedade” em defesa de “mudanças institucionais e políticas para garantir a democracia no país, da vida e contra a manutenção de Jair Bolsonaro à frente do governo”.

O PT não é claro sobre como pretende concretizar o “fora, Bolsonaro”. Até quinta-feira (23), nenhum representante do partido havia protocolado um pedido de impeachment na Câmara dos Deputados. Outros líderes de oposição, como o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), que ficou em terceiro lugar nas eleições presidencial de 2018, já fizeram isso. O número de pedidos de impeachment à espera de análise se aproxima de duas dezenas.

Qualquer cidadão pode pedir o impeachment do presidente. Para o pedido andar, porém, é necessário que o presidente da Câmara, cargo ocupado hoje por Rodrigo Maia (DEM-RJ) aceite esse pedido. No início de abril, Maia rechaçou a possibilidade de um impeachment. “Nós já temos muitos problemas no Brasil para a Câmara ou o Senado serem responsáveis pelo aprofundamento da crise. Nós não seremos responsáveis por isso. Às vezes, me dá a impressão que o governo quer isso”, disse o presidente da Câmara.

Para alguns analistas, Bolsonaro vê no debate sobre o impeachment a possibilidade de reanimar sua base eleitoral mais fiel. Ele aposta na retomada de uma polarização que poderia manter esse público mobilizado. Atualmente, o presidente vem apostando num embate direto com Maia, alvo preferencial das redes bolsonaristas na internet.

Na classe política, o impeachment é visto como improvável. Isso porque Bolsonaro mantém uma aprovação popular na casa dos 30%. Na época do impeachment de Dilma Rousseff em 2016, o governo petista era considerado ótimo e bom por apenas 9%, segundo o Ibope. Ela foi cassada no segundo mandato, após cinco anos e oito meses. Bolsonaro está há um ano e quatro meses no cargo.

Bolsonaro, além disso, está em negociação aberta com o centrão, oferecendo cargos em postos-chave do governo. Se obtiver o apoio desse grupo, qualquer movimentação por um impedimento pode ser facilmente rejeitada.

Outras frentes da oposição contra o presidente

Além de um processo de impedimento, outras estratégias para retirar Bolsonaro da Presidência são forçar sua renúncia ou denunciá-lo por crime comum. Ambas também são improváveis na atual conjuntura. Neste segundo caso, o afastamento depende de uma denúncia do procurador-geral da República, Augusto Aras, e da autorização da Câmara para que o Supremo abra um processo.

Líderes do PT e de mais sete partidos de oposição, incluindo Ciro Gomes e a também candidata derrotada à presidência em 2018 Marina Silva (Rede), decidiram na segunda-feira (20) propor a entidades da sociedade civil que apresentem ao Supremo uma notícia-crime contra Bolsonaro, pela participação do presidente num ato a favor de um golpe de Estado.

O Supremo já abriu um inquérito que vai tentar descobrir quem promoveu a manifestação, com base na Lei de Segurança Nacional. Bolsonaro, porém, não é alvo por ora. O procurador-geral da República sustenta que não há indícios de que o presidente tenha organizado o ato. Parlamentares que eventualmente tenham patrocinado a mobilização poderão ser investigados.

Outra notícia-crime contra Bolsonaro formulada recentemente pelo PT em conjunto com outros partidos de oposição (PDT, PSB, PCdoB, PSOL, Rede e PCB) dizia respeito a atitudes do presidente que, segundo eles, atentaram contra a saúde pública, pelo fato de Bolsonaro ser contra o isolamento social em meio à pandemia do novo coronavírus. A Procuradoria-Geral da República, porém, não viu a configuração de crime nos comportamentos descritos, e o ministro do Supremo Marco Aurélio Mello arquivou o caso.

O PT ainda conta com uma notícia-crime apresentada pelo deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), que também denuncia as atitudes de Bolsonaro durante a pandemia. O caso aguarda o parecer da Procuradoria-Geral da República.

A mudança de rumo do discurso petista

Até terça-feira (21), a direção do PT hesitava em usar o “fora, Bolsonaro”. O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, candidato derrotado no segundo turno das eleições de 2018, chegou a assinar um manifesto pedindo a renúncia do presidente. Lula já havia falado em impeachment. Mas não havia uma posição oficial partidária.

A corrente majoritária do PT, a CNB (Construindo um Novo Brasil), era contra pleitear a saída de Bolsonaro do cargo. Eles temiam que uma campanha fracassada acabasse por fortalecer o atual presidente.

Segundo a nova orientação, porém, o cenário mudou depois do novo engajamento do presidente em atos antidemocráticos. Para a maioria dos petistas, que considerava que um impeachment no momento atual apenas agravaria a crise estabelecida pela pandemia do coronavírus, agora a “situação política é insustentável”.

O PT como partido de oposição

Ao longo do mandato de José Sarney (1985-1990), primeiro civil no comando do país após a ditadura militar, Lula, à época presidente do PT, esteve à frente da campanha pela realização de eleições diretas logo em 1986. Isso interromperia o mandato de Sarney, eleito por votação indireta do Colégio Eleitoral. Mas o PT foi contra a proposta de impeachment levantada em 1988 por um relatório de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Senado, sobre irregularidades na administração pública federal, com o envolvimento de ministros do governo.

No governo Fernando Collor (1990-1992), primeiro presidente eleito pelo voto direto após a ditadura, o PT participou em 1992 da articulação interpartidária que, com grande apoio social, promoveu processo de impeachment e cassou no final daquele ano os direitos políticos de Collor por duas legislaturas, em razão de denúncias de corrupção.

Com Itamar Franco (1992-1994), vice que assumiu após o impeachment, o PT manteve-se na oposição. Um de seus representantes chegou a pedir o impeachment de Itamar. O então deputado federal Jaques Wagner pleiteou o impedimento de Itamar pelo suposto favorecimento à campanha eleitoral de Fernando Henrique Cardoso em 1994.

Contra Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o PT se dividiu sobre o movimento “fora, FHC”, iniciado em 1999, no começo do segundo mandato. Naquele momento, Lula buscava se distanciar de posições mais radicais. Ele sofreu oposição interna de José Genoíno e de Tarso Genro. Apesar de se manter na retaguarda, em alguns momentos Lula defendeu a legalidade da pressão pela renúncia e mesmo de um processo de impedimento. Os petistas acusavam FHC de fraude nas privatizações, favorecimento de bancos e de “estelionato eleitoral”. Nenhum pedido prosperou.

Uma vez presidente, Lula (2003-2010) foi alvo de vários pedidos da oposição. Sofreu pressão no escândalo do mensalão, a partir de 2005, mas nenhum processo contra o petista prosperou. Já Dilma Rousseff acabou deposta em 2016 num processo de impeachment no qual era acusada de manobras fiscais.

Michel Temer, vice que assumiu com a queda de Dilma, também foi alvo de pedido de impeachment do PT e de movimentos sociais, no caso envolvendo os ex-ministros Marcelo Calero e Geddel Vieira Lima. O pedido não prosperou, assim como pedidos de outras entidades formulados contra Temer. A Procuradoria-Geral da República também chegou a denunciá-lo em razão de crimes comuns por três vezes. Mas a Câmara dos Deputados, por maioria, não autorizou o prosseguimento dos processos durante o mandato do presidente, que conseguiu se manter no cargo.