Ala militar começa a rever posição sobre permanência de Mandetta, diz O Globo

Planalto vê provocação em cobrança de Mandetta sobre "fala única"

No “Fantástico”, ministro Mandetta repetiu o que afronta sempre

Naira Trindade
O Globo

Antes defensores da permanência de Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde em prol da estabilidade no governo, ministros da ala militar do Palácio do Planalto começam a rever seus posicionamentos. Interlocutores do presidente Jair Bolsonaro interpretaram como uma provocação a entrevista exclusiva de Mandetta ao Fantástico, da Rede Globo, em que diz que o governo precisa ter um discurso unificado no combate ao novo coronavírus.

Na avaliação de parte da ala militar do Planalto, Mandetta agiu com “covardia” e “molecagem” ao criticar publicamente o presidente. Esse grupo considerou a entrevista como uma tentativa de “forçar a sua demissão”, já que Mandetta tem repetido que não vai pedir demissão, porque “médico não abandona paciente”.

No Fantástico, Mandetta fez questão de criticar pessoas que estejam afrouxando as regras de isolamento e mencionou pessoas que frequentam “padarias”. Na última semana, o presidente circulou por Brasília, entrando em farmácia, padarias e cumprimentou apoiadores nas ruas.

COISA EQUIVOCADA –  Quando você vê as pessoas entrando em padaria, entrando em supermercado, fazendo filas uma atrás da outra, encostadas, grudadas, pessoas fazendo piquenique em parque, isso é claramente uma coisa equivocada _ afirmou o ministro da Saúde na entrevista.

Outro fator de incômodo de aliados do presidente com a entrevista foi ela ter acontecido na presença do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), dentro do Palácio das Esmeraldas. Antigo aliado, Caiado rompeu com Bolsonaro há duas semanas após o presidente pedir o fim do isolamento em um pronunciamento. Assessores de Bolsonaro veem influência de Caiado nas declarações de Mandetta.

HOSPITAL DE CAMPANHA – No sábado, Mandetta voou no mesmo helicóptero de Bolsonaro para Águas Lindas de Goiás, onde visitaram as obras do primeiro hospital de campanha construído pelo governo federal. Lá, Mandetta se incomodou com o presidente, por andar pelas ruas provocando aglomerações. Na volta, o ministro decidiu seguir para Goiânia com Caiado e passou o final de semana com ele, que é seu amigo e aliado do DEM.

Para militares é inaceitável qualquer atitude de insubordinação e de desobediência hierárquica. O governo já fez recomendações para que coletivas do ministro da Saúde ocorram dentro do Palácio do Planalto, sob o comando do ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto. Porém, para o grupo militar do Planalto, Mandetta mais uma vez se “veste de arrogância” e “enfrenta o presidente”.

SENTIR O CLIMA – Principal conselheiro de Bolsonaro, o ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) avaliou a necessidade de sentir o clima na manhã desta segunda-feira antes de qualquer definição sobre a permanência de Mandetta, afirmam seus aliados. Segundo interlocutores, Heleno ponderou que apesar das provocações sobre a “visita a padaria” e o “discurso unificado”, Mandetta repetiu as mesmas recomendações que já vinha fazendo para que a população fique em casa em isolamento.

A expectativa é que Bolsonaro e seus ministros conversem na manhã desta segunda-feira sobre os rumos do Ministério da Saúde. Ao deixar o Palácio da Alvorada, nesta manhã, Bolsonaro já deu sinais que vai esperar para ouvir seus conselheiros antes de qualquer decisão. Questionado sobre a entrevista do ministro, Bolsonaro limitou-se a dizer que não “assistiu”.