Por Carlos José Marques
Foi um ano espantoso esse que se encerra nos próximos dias. De arrepiar os cabelos. Muito menos pelo que trouxe de ralos resultados na economia, na política, na área social. Surpreendeu especialmente pelo que se gerou de polêmica, barbaridades ditas e adotadas por quem está no poder. Insano relembrar ou relacionar. Foram tantas, todos os dias, sem trégua, num festival de horrores. Capaz até de provocar um estado de torpor e paralisia na maioria dos brasileiros. Entender e perceber o que experimentamos de afronta a princípios minimamente civilizados e republicanos talvez ajude para que os mesmos erros não voltem a se repetir no novo ano que se avizinha. O Brasil segue até aqui dominado por uma frenética rinha de extremos.
Alimentada por quem deveria, na essência do papel de líder, buscar a pacificação. Apaziguar os ânimos é uma tarefa hoje quase impossível. A quem caberia depois disso tudo? Não surpreende mais a ninguém que o mandatário Jair Bolsonaro, com o seu desprezo à verdade e ao debate democrático, esteja completamente descartado como opção nesse sentido. Não conta como alternativa. Quase a metade da população não acredita nele, revelaram as pesquisas.
O presidente, na prática, exibe por esses dias sinais eloquentes de uma doença incurável. Certamente não a de câncer de pele, como ele próprio havia anunciado para depois, em um hiato mínimo de horas, se desmentir. Parece doente da cabeça mesmo e demonstrações nessa direção são abundantes. A da autonegação entre elas. Alguém que dá uma declaração pública, inequívoca, de que fez exames e que, nas palavras dele, teria a possibilidade de apresentar um cancro, para logo depois, na noite seguinte, atribuir a notícia a uma fake news produzida pela imprensa, só pode estar lelé da cuca, em surto completo. Na psiquiatria, a confusão mental da afirmativa seguida da negativa é tida como evidência de distúrbio bipolar.
Um transtorno que resvala na disfunção cognitiva. O nevoeiro cerebral decorrente da perturbação acometeria o presidente também, provavelmente, na predileção por temas ligados a escatologia sexual e ao simbolismo autoritário. Ele tem inegável fissura pelo órgão reprodutor — a referência ao “golden shower” foi apenas o início de uma tortuosa e constrangedora saga de citações do tipo — e pela tortura. Outro dia mesmo ameaçou colocar no “pau de arara” ministros pilhados em flagrante delito de corrupção. Tratava-se, certamente, de uma bravata. Infame, desprezível. Apenas mais uma dentre tantas do mesmo calibre. Abordar a volta do AI-5 e consagrar torturadores deploráveis como o ex-comandante do Doi-Codi coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra foram passagens ainda mais vexaminosas de seu decálogo de aberrações.
Bolsonaro enxerga os acontecimentos pelo olhar estrábico do retrocesso. Acentua dessa maneira, com notável intensidade, o desgoverno que vai caracterizando a gestão iniciada há quase um ano. Deveria falar menos. Fazer mais. Na direção correta e produtiva das mudanças estruturais. Aquelas que importam. Crescimento econômico, ajuste das contas, geração de empregos, reformas, privatizações. O presidente argumenta que para isso conta com o seu “Posto Ipiranga”, ministro na pele de czar, Paulo Guedes. Para ficar na linguagem figurada que o capitão gosta e entende, é crível dizer que uma única bomba de combustível não irá completar o tanque das necessidades da Nação inteira. O controle das forças políticas, a articulação, a influência sobre os demais poderes dependem fundamentalmente de um mandatário atuante. O dono da alardeada estrutura “Ipiranga”!
A figura do capitão à frente da estratégia, envolvido nela, dedicado exclusivamente a prioridades que atendem aos anseios do povo, contaria muito mais do que uma rede inteira de postos para injetar gás e fazer o País andar e avançar na direção correta. Na realidade, o Brasil faceiro, amigável e otimista teve de seguir quase sem piloto, desgovernado mesmo. Sorte que de maneira lenta. Daí o retorno à questão inicial: quem deveras poderá assumir a direção, reequilibrando o bólido na rota do desenvolvimento? O homem que trata a ambientalista juvenil Greta Tunberg de “pirralha” e se refere ao sociólogo Paulo Freire como “energúmeno” não está definitivamente apto para a tarefa. Que alguém logo se habilite e nos tire desse estado de sandice que prevaleceu em 2019