RIO – O empresário Arthur Menezes Soares Filho, o “Rei Arthur” , confirmou o esquema de pagamento de propina para delegados africanos na escolha do Rio de Janeiro para sede dos Jogos Olímpicos de 2016. A revelação faz parte dos termos de um acordo de colaboração premiada que está em andamento junto ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ).  Foi a colaboração, inclusive, que o salvou do risco de deportação para o Brasil, após ser detido na sexta-feira, em Miami .

Desde a deflagração da Operação Unfairplay , em 2017,  a força-tarefa da Lava-Jato, apontava que Arthur Menezes usou a offshore Matlock Capital Group para transferir US$ 2 milhões para a conta de Papa Diack, filho de Lamine Diack, então presidente da Federação Internacional de Atletismo, a maior federação olímpica, de uma conta nos EUA. O pagamento foi confirmado pelo ex-governador Sérgio Cabral, em depoimento ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, em julho deste ano .

Outros US$ 10,4 milhões, segundo a investigação, foram transferidos para o ex-governador Sérgio Cabral via doleiro Renato Chebar, na conta do EVG Bank, entre março de 2012 e novembro de 2013, e ocultar o valor no exterior, além de ter recebido um total de R$ 1 milhão no Brasil entre 2007 e 2011.

Esta transação foi comprovada por documentos fornecidos pelas autoridades de Antigua e Barbuda, e pelo gestor do banco Enrico Machado, colaborador da Lava-Jato.  De acordo com o MPF, o pagamento era feito no país com entregas de recursos em espécie, celebração de contratos fictícios com membros da organização criminosa e pagamento de despesas pessoais. Cabral negou a acusação e disse não ter contas no exterior, a não ser a que encerrou em 2003.

Detido na sexta-feira passada pelo U.S. Citizenship and Immigration Services (USCIS), serviço de imigração local,  quando tentava renovar o visto de permanência, Arthur Soares foi liberado no mesmo dia depois que os advogados apresentaram cópia dos termos do acordo de colaboração.

O acordo, segundo O GLOBO apurou, só será homologado pela Justiça quando ficar comprovada a efetividade das revelações feitas por Soares. A sentença também deverá confirmar o valor da multa a ser paga por “Rei Arthur” às autoridades americanas. Com isso, não há qualquer previsão de extradição do empresário, mas ele poderia até ficar preso no país americano a depender do seu julgamento.

Cooperação com EUA prejudicada

Desde outubro de 2017 , quando foi deflagrada a Operação Unfairplay , o Ministério Público Federal (MPF) aguarda a resposta americana ao pedido de extradição de Soares. A princípio, as autoridades americanas responderam que as provas apresentadas pelo Brasil eram insuficientes para a abertura do processo de extradição do empresário. Todavia, fontes da Lava-Jato garantiram que o pedido de complementação já foi atendido há meses.

As negociações para a volta de Soares ao Brasil são motivo de desgaste entre brasileiros e americanos, devido ao silêncio e dificuldade de negociação encontrados pelos integrantes da força-tarefa nos EUA.

– Presumimos que o mundo inteiro teria interesse no caso por se tornar um escândalo internacional – disse o chefe da força-tarefa da Lava-Jato no Rio, Eduardo El Hage, na época.

– Foi frustrante – afirmou o então chefe de cooperação internacional da Procuradoria Geral da República (PGR) Vladimir Aras.

O Brasil enviou ao governo dos EUA pedidos de bloqueio de bens, quebra de sigilo telefônico e bancário e de extradição do empresário, todos ignorados.

Na época, o Departamento de Estado americano enviou nota de quatro páginas após ser provocado pela Justiça brasileira. Nela, questionava as evidências apresentadas pelo MPF e afirmava que a solicitação do Brasil não cumpriu o “padrão probatório de extradição”.

“Os Estados Unidos não são um porto seguro para fugitivos de nenhuma nação”, afirmou na época o porta-voz Wyn Hornbuckle. “Valorizamos nossa forte relação de aplicação da lei com o Brasil. Por uma questão de política, o departamento não comenta processos de extradição específicos, mas estamos comprometidos em trabalhar juntos nessas questões”.

Arthur Soares foi localizado pelo 'Fantástico' em Miami, nos EUA Foto: Reprodução/TV Globo
Arthur Soares foi localizado pelo ‘Fantástico’ em Miami, nos EUA Foto: Reprodução/TV Globo

Alvo da Receita e amigos na Lava-Jato

Recentemente, Arthur Soares trocou de advogados (do escritório Mestieri para o jovem Nythalmar Dias Ferreira) na esperança de negociar um acordo no Brasil. O empresário, que está solto, não esconde a dificuldade da adaptação, particularmente com barreira de idioma. Seus amigos, igualmente envolvidos na Lava-Jato, estariam impedidos de ingressar em território americano, o que aumentaria o seu isolamento.

Na sexta-feira, a defesa de Soares negou que Arthur Soares seria extraditado. O MPF, no entanto, trata o empresário como “réu foragido” e espera que sejam cumpridos os pedidos já formalizados às autoridades americanas afim de dar prosseguimento ao processo.

Acerto de propina foi em Paris

O depósito foi feito no dia 29 de setembro de 2009, em Dakar, no Senegal, três dias antes da escolha da capital carioca como sede das Olimpíadas, segundo a peça do MPF. Ele foi feito pela Matlock Capital Group, uma holding nas Ilhas Virgens, paraíso fiscal, que tem ligação com Arthur.

O MPF listou ao menos 19 documentações que deram suporte à operação ‘Unfair Play’, entre elas: depoimento de Eliane Pereira Cavalcante, sócia de Arthur; calendário e agenda telefônica obtidos pela quebra telemática de Arthur Soares; e-mails e documentos obtidos com a quebra telemática de Eliane Cavalcante; relatórios de Inteligência Financeira do COAF e contratos Administrativos firmados pelo Estado do Rio de Janeiro e a empresas do Grupo KB Participações Ltda, de Arthur Soares.

Dono do grupo Facility, Arthur Soares era um dos principais prestadores de serviços terceirizados no governo Sérgio Cabral, em áreas como limpeza, segurança, alimentação e saúde. Segundo investigação do Ministério Público do Rio (MP-RJ), a Facility participava de licitações fraudadas e depois repassava valores dos contratos, de forma ilícita, a autoridades do Legislativo e do Executivo fluminense. Os contratos do empresário com o governo do Rio chegaram a totalizar R$ 3 bilhões na gestão de Cabral.

Sobre os US$ 2 milhões pagos a Papa Diack, o ex-governador disse que pediu a Arthur Soares que combinasse o pagamento com Leonardo Gryner, braço-direito do então presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Carlos Arthur Nuzman. Segundo Cabral, a verba seria descontada do “crédito” que tinha com o empresário — isto é, de parte das propinas que o ex-governador receberia do “Rei Arthur”.

O acerto do pagamento ocorreu, segundo o MPF, em Paris, na França, em setembro de 2009, dias antes do evento que ficou conhecido como “Farra dos Guardanapos”. No dia em que foi deflagrada a operação Unfairplay no Brasil, os investigadores franceses cumpriram um mandado de busca em um apartamento em Paris que pertence ao “Rei Arthur”.

O MPF chegou a ficar animado com uma possível parceria entre os procuradores franceses e brasileiros para um entendimento com o governo americano, que seria mais solícito a uma abordagem francesa, já que os dois países têm um acordo de de extradição vigente entre os dois países, mas o processo não prosperou.

‘Corruptos e corruptores’

O Ministério Público Federal (MPF) afirmou ver “fortes indícios” de que o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, teve participação direta na compra de votos de membros do Comitê Olímpico Internacional (COI) na escolha da sede dos Jogos Olímpicos de 2016 e no repasse de propina a Papa Massata Diack.

Segundo os investigadores, Nuzman teria sido o responsável por interligar corruptos e corruptores: “Em busca de votos favoráveis à campanha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016, mancomunado a Sérgio Cabral, buscou representantes africanos do COI para alcançar o intento criminoso”, sustentou a Procuradoria.

O MPF levanta a suspeita de que Nuzman teria, inclusive, obtido nacionalidade russa para poder escapar das investigações. A informação surgiu em depoimento de Eric Maleson, fundador e ex-presidente da Confederação Brasileira de Desportos no Gelo, ouvido por autoridades francesas.

“Segundo o mesmo, Carlos Nuzman está corrompido, e terá até a nacionalidade russa pelo primeiro-ministro russo na altura, em contrapartida ao seu voto a favor de Sochi para a organização dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014. Essa nacionalidade russa deve lhe permitir esperar escapar da Justiça Brasileira se fosse necessário”.

Outros lados

Procurado, o COB diz  que os “Jogos Olímpicos  foram organizados pelo Comitê Organizador Rio 2016, uma outra entidade, com missão e função distinta à do COB, que é a de preparar atletas e organizar delegações”.

A defesa de Carlos Arthur Nuzman afirmou estar convicta de sua inocência e que não pode se responsabilizar pelos desvios de conduta do ex-governador Cabral e do empresário Arthur Soares.

Em nota, o Comitê de Organização dos Jogos Rio 2016 diz que “foi fundado e constituído depois da escolha do Rio como cidade sede dos Jogos de 2016” e que “não existem elementos na vida do comitê que permitam um comentário sobre a fase da candidatura”.