Handke deve ser criticado por suas posições. Se seus livros são bons, merecem ser premiados
Nem sempre os acadêmicos suecos têm sido capazes de distinguir a obra do autor. Jorge Luis Borges não teria ganho o Nobel de Literatura por simpatizar com o chileno Augusto Pinochet. Borges, é verdade, defendeu, enquanto cidadão, regimes abjetos e ideias repugnantes — era, por exemplo, francamente racista. Contudo, quem ler os seus contos não encontra neles a defesa de nenhuma dessas ideias, muito pelo contrário. Não há nada nos contos de Borges que leve alguém a defender Pinochet.
Por outro lado, em 2001, a Academia Sueca premiou V. S. Naipaul, um homem antipático, misógino, machista, e tão ou mais racista do que Borges. Na época também houve protestos, sobretudo devido a uma série de bizarras declarações do escritor, logo a seguir ao prêmio, e a testemunhos da violência e desrespeito com que teria tratado duas das suas antigas companheiras. Os suecos, sabiamente, premiaram não o cidadão V. S. Naipaul, mas um conjunto de romances excelentes, que traçam um retrato pouco otimista da Humanidade. Reler “A curva do rio” já conhecendo a biografia de Naipaul pode ser uma experiência incômoda, pois é impossível não associar o escritor ao personagem principal, que, a determinada altura, espanca a mulher. Porém, uma vez mais, ninguém conclui o livro sentindo-se encorajado a espancar mulheres.
Nunca li Peter Handke. Agora que a Academia Sueca lhe deu o Nobel, vou ler. A admiração de Handke por um criminoso de guerra horroriza-me. O seu longo silêncio em relação aos massacres perpetrados pelas forças sérvias durante a guerra, nos anos 1990, é inadmissível.
“Sou escritor, venho de Tolstói, Homero e Cervantes. Deixem-me em paz e não voltem a fazer-me perguntas sobre esse assunto”, disse Handke, há poucos dias, tentando escapar às dezenas de jornalistas que cercavam a sua casa. Espero que os jornalistas continuem a fazer-lhe perguntas sobre esse assunto. Handke deve ser criticado e condenado pelas posições que tomou. Porém, se os seus livros são bons, se não envergonham Tolstói, Homero e Cervantes, então merecem ser premiados e lidos. Tão simples quanto isto.