‘Presidente está mal assessorado’, diz Josias Teófilo sobre críticas de Bolsonaro a Ancine

 

RIO — Para o cineasta pernambucano Josias Teófilo, Jair Bolsonaro está “muito mal assessorado”. O diretor se viu recentemente no meio de uma polêmica ao viralizar a notícia de que seu documentário “Nem tudo se desfaz”, sobre os eventos que levaram à eleição de Bolsonaro, foiautorizado pela Ancine a captar R$ 530 mil por meio da Lei do Audiovisual — mecanismo pelo qual pessoas ou empresas investem num filme via renúncia fiscal.

Nesta quinta-feira, o presidente afirmou nas redes sociais que “sugeriu” suspender a captação para o longa por ser contra “o uso de dinheiro público para esses fins”. E voltou a defender a extinção da Ancine.

Bolsonarista e aluno de Olavo de Carvalho, o cineasta, que ganhou fama com seu documentário “Jardim das aflições” (2017), sobre o ideólogo de direita, se diz a favor da Lei do Audiovisual e rebate:

— Se Bolsonaro acabar com a Ancine, será o dilúvio. Vai acabar com o cinema brasileiro, inclusive com os filmes evangélicos de que ele tanto gosta. Não vai poder ter filme nenhum — diz Teófilo, ao GLOBO.

Leia abaixo a entrevista completa.

Você é a favor da utilização de recursos públicos para o cinema brasileiro?

Sempre fui. Se você perguntar na rua o que as pessoas acham sobre isso, vão dizer que são contra. Ao mesmo tempo, são a favor de subsídios para agricultura ou universidade públicas. O orçamento da cultura é tão baixo que o governo nem mexe muito na área quando anuncia cortes.

Por que muitos são contra investimento público na cultura?

As pessoas não entendem como as coisas funcionam, é muita desinformação. Isso é péssimo. Aí vejo um sujeito de direita falando que recursos públicos têm que ir apenas para coisas consagradas, como orquestras, óperas, poesias. E como financiar as obras que virão? Como serão reconhecidas? Se não tivessem dado dinheiro para Glauber Rocha, como ele viraria quem é hoje?

A Ancine deve ser extinta, como defende o presidente?

Existe fundamento na crítica para o uso de recurso público. O cinema brasileiro anda tão ruim, ideológico e com tantos temas identitários que as pessoas ficam com raiva. Mas você não pode acabar com a Ancine. A agência também aprova captação para filmes espíritas e evangélicos. Vai acabar com tudo isso?

O que tem achado das declarações de Bolsonaro sobre o cinema?

Cartaz do documentário Nem tudo se desfaz, de Josias Teófilo Foto: Reprodução

Ele agora vai atacar um filme de 2011 ( “Bruna Surfistinha” )? Pra quê? O filme já foi feito e visto por 2 milhões de pessoas. Infelizmente o presidente está muito mal assessorado, tanto em relação ao meu filme quanto aos dos outros. Falaram que “Nem tudo se desfaz”, meu novo documentário, é sobre ele. Nunca disse isso.

Sobre o que é?

As manifestações de 2013 levaram às delações premiadas, que levaram à Lava-Jato, que levou à prisão de Lula e ao impeachment de Dilma, o que levou a uma alternativa política para além do PT. Meu filme é sobre isso. Onde que é sobre Bolsonaro? Como ele fala uma coisa dessas?

Ontem um assessor de Bolsonaro sugeriu que você bancasse seu filme por meio de crowdfunding. Por que é contra a ideia?

Já fiz crowdfunding de R$ 350 mil para “Jardim das aflições”, mas demorou mais de um ano. É muito tempo. O novo filme é resultado de sete meses de trabalho. Agora querem cancelar tudo e fazer crowdfunding? Por quê? Apesar disso, não descarto esse recurso, porque o orçamento do documentário é de R$ 550 mil, o que ainda é pouco. Quero usar imagens de arquivo e isso custa dinheiro.

O filme também tem patrocinadores privados? Teme que eles pulem fora do projeto por causa da polêmica?

O presidente lançou uma incerteza sobre meu filme. Se patrocinadores pularem fora, eu pego um avião e saio do país. A Lei do Audiovisual passou por Temer, Dilma, Lula e FHC. A Lei Rouanet é anterior a todos eles. Nenhum deles conseguiu controle sobre a Lei do Audiovisual. Alguns até tentaram, mas não conseguiram. Por que vai ser agora? Bolsonaro não pode fazer isso.

O filme não é sobre ele, nem nunca será. Oxente, só porque sou aluno de Olavo não significa que vou fazer um filme pró-Bolsonaro. Apesar dos graves efeitos que as falas do presidente podem ter sobre meu filme, essa situação me deu a independência que sempre tive, mas que ninguém conhecia.

Quando o Cine PE selecionou ‘Jardim das aflições’ na edição de 2017, muitos cineastas retiraram suas obras da programação em protesto. Acha que reação semelhante pode ocorrer com ‘Nem tudo se desfaz’?

Eu sabia que o pau ia comer por causa de “Jardim…”. Do ponto de vista da divulgação, quanto mais controvérsia, melhor.

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