Na época áurea dos governos esquerdistas da América do Sul, as conferências de cúpula do Mercosul costumavam ter um toque revolucionário-romântico. Eram os anos logo após a virada do milênio, e quando os presidentes, sob a liderança de Hugo Chávez, entoavam juntos canções revolucionárias, a esquerda de toda a América Latina sentia o coração bater mais alto.
Como se pôde ver agora na 54ª reunião em Santa Fé, Argentina, a coisa mudou totalmente. Não só porque, no país anfitrião, quem está no poder é Mauricio Macri, um empresário conservador, e no Brasil, o populista de direita Jair Bolsonaro, mas também porque agora a aliança intergovernamental se encontra diante de tarefas inteiramente novas.
Após o fechamento do acordo de livre-comércio com a União Europeia, no final de junho, em Bruxelas, os Estados sul-americanos terão que achar o caminho conjunto para mais integração, de um jeito ou de outro. O tempo urge, pois o mais tardar sete anos após a ratificação, as tarifas alfandegárias, por exemplo, para as importações de automóveis serão reduzidas.
Depois de 15 anos, as montadoras europeias poderão vender seus veículos para Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, sem qualquer restrição. Para mais de 90% de todos os produtos negociados, as taxas cairão ainda mais rápido. Isso coloca os parceiros sul-americanos sob pressão, pois eles não avançaram muito no sentido de uma zona de livre-comércio, muito menos de um mercado comum.
A Argentina taxa automaticamente com 2,5% todos os produtos do Brasil. O Uruguai cobra sobre toda importação um “imposto consular” de 3%. Se as tarifas caírem agora para as mercadorias europeias, em breve as empresas do outro lado do Atlântico estarão em vantagem em relação aos concorrentes sul-americanos.
Por isso, os países do Mercosul chegaram a um acordo durante a cúpula desta semana sobre a eliminação das sobretarifas internas, embora sem alcançar uma resolução formal. O representante do Uruguai teve que deixar o encontro prematuramente.
As dificuldades em deliberar alívios comerciais relativamente simples, como esse, mostram como será penoso o caminho até a abertura dos mercados do Mercosul. Mas não há como evitar esse passo. “Agora temos uma agenda inadiável de competitividade”, comentou Macri. “Não é um ponto de chegada, mas de partida.”
Uma Coalizão Empresarial Brasileira (CEB), que defende os interesses do setor privado brasileiro no comércio externo, mostrou, numa carta aberta em Santa Fé, aonde o caminho do Mercosul deveria levar, idealmente: os participantes defendem também acordos com outros blocos comerciais, como o Canadá e, sobretudo, a Associação Europeia de Livre-Comércio (Efta, na sigla em inglês, formada pela Suíça, Liechtenstein, Noruega e Islândia), com a qual se deverá chegar a um consenso já em agosto.
A CEB quer equiparar as normas e especificações técnicas dentro do Mercosul, e exige administração transparente, referindo-se às burocracias dos países do bloco. A implementação dessas reivindicações dentro dos próximos seis meses dependerá, acima de tudo, do Brasil, que acaba de assumir, depois da Argentina, a presidência rotativa do bloco.
No momento, os países do Mercosul parecem estar levando realmente a sério a meta de uma cooperação econômica mais estreita. Na ratificação do acordo com a UE, pretendem fazer valer cláusulas de vigência bilaterais, segundo as quais o acordo entra em vigor para cada país imediatamente após o respectivo parlamento tê-lo aprovado. Assim, não será preciso os quatro órgãos legislativos nacionais aprovarem o acordo antes que ele passe a vigorar – o que poderia demorar uma eternidade.
“Os tempos mudaram”, afirma Valeria Csukasi, diretora-geral de assuntos de integração da chancelaria do Uruguai. “Hoje precisamos de instrumentos efetivos para dar respostas rápidas às expectativas de setor exportador dos nossos países.”
Com as cláusulas de vigência, os signatários tentam, além disso, impedir que todo o acordo fique congelado após as eleições do fim de 2019 na Argentina, caso a nova presidência seja contra uma abertura dos mercados. Se mais um governo populista de esquerda sob Cristina Kirchner atrasar a ratificação, a economia argentina ficará para trás em relação às do Brasil, Paraguai e Uruguai, pois não se beneficiará dos alívios comerciais e de investimentos com a UE.
“Há hoje um imperativo que faz com que os países do Mercosul queiram mitigar o risco politico de atraso na implementação do acordo”, comenta Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil.
Para benefício dos consumidores em seus países, os presidentes reunidos em Santa Fé puderam anunciar mais uma etapa vencida: em breve não serão mais cobradas tarifas de roaming para os usuários de celulares em trânsito nos países vizinhos.
Ainda serão necessários muitos passos como esse até que o Mercado Comum da América do Sul finalmente se torne realidade, 28 anos após sua fundação.
Deutsche Welle