“Objetivo claro de libertar Lula e destruir Moro”, diz Carlos Lima sobre ação de hacker

Carlos Fernando dos Santos Lima

Ex-procurador da Lava Jato, que aparece em conversas de celular atribuídas a então juiz Moro, vê ‘campanha muito bem orquestrada’, ‘comando único’ e ‘orçamento milionário’ em obtenção e vazamento de dados de aparelhos de autoridades da operação

Ex-integrante da Lava Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima acredita que os ataques desferidos às autoridades da operação, após o vazamento de conversas entre procuradores da República e o ex-juiz Sérgio Moro – atual ministro da Justiça e Segurança Pública -,  sejam parte de “uma campanha orquestrada”, com “objetivo claro de libertar Lula“. O ex-presidente está preso em Curitiba desde abril de 2018, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.

Aposentado em março do cargo de procurador regional da República, Carlos Lima foi membro da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba de 2014 – quando foi deflagrada a primeira fase da operação – até 2018. Em entrevista ao Estadão, o ex-decano do grupo e agora advogado e consultor para área de compliance, fala em “crise artificial” gerada pelas conversas de Telegram divulgadas pelo site The Intecept, aponta “foco exclusivo em libertar Lula e destruir Sérgio Moro” e diz não ver “juridicamente a menor possibilidade” de nulidade dos processos da 13.ª Vara Federal, em Curitiba. Moro, o ex-titular da Lava Jato, não reconhece a autenticidade das mensagens e desafiou a divulgação completa do material.

“As organizações criminosas que enfrentamos na Lava Jato são poderosas, e, acuadas como ratos, era natural que reagissem.”

LEIA A ENTREVISTA:

Estadão: O senhor foi alvo dos hackers também?

Carlos Fernando dos Santos Lima: Eu saí da Lava Jato em setembro de 2018 e por decisão pessoal de ter um período de afastamento ético de qualquer informação interna de seis meses antes de minha aposentadoria, deletei todos os grupos de trabalho no Telegram e desinstalei o aplicativo naquele momento. Aparentemente não fui atacado.

Estadão: O nome do sr. apareceu em novas publicações do site The Interceptsupostamente conversando com o ex-juiz Sérgio Moro. O sr. reconhece os diálogos e uma suposta combinação sobre como reagir aos ataques feitos pelo ex-presidente Lula após depoimento?

Carlos Lima: Como me manifestei, desconheço completamente as mensagens citadas, supostamente obtidas por meio reconhecidamente criminoso. O “órgão jornalístico” volta-se contra mim, aparentemente incomodado pelas críticas que tenho feito ao péssimo exemplo de “jornalismo” que produz. Creio que o “órgão jornalístico” deve uma explicação de como teve acesso a esse material de origem criminosa, e quais foram as medidas que tomou para ter certeza de sua veracidade, integridade e ausência de manipulação. A liberdade de imprensa não cobre qualquer participação de jornalistas no crime de violação de sigilo de comunicações.

Estadão:  Quando soube da invasão dos aparelhos dos colegas da forca-tarefa? Ficou surpreso?

Carlos Lima: Soube quando estava em viagem por Portugal com mãe e irmãos. Na segunda metade de maio, possivelmente. Não fiquei surpreso. Fiquei surpreso que tenha demorado tanto. As organizações criminosas que enfrentamos na Lava Jato são poderosas, e, acuadas como ratos, era natural que reagissem.

Estadão:  Há riscos para a Lava Jato, para imagem da operação?

Carlos Lima: A Lava Jato provou que a política brasileira se financia com o crime. Usa da corrupção para financiar campanhas eleitorais milionárias, para controlar estruturas partidárias e para os bolsos próprios, naturalmente. Nada disso mudou. As provas continuam aí para que todos vejam. A crise é artificial, uma farsa, mas uma mentira repetida mil vezes pode se tornar uma verdade nas mentes dos brasileiros. Estamos enfrentando um tipo de campanha muito bem orquestrada.

Estadão:  E para os processos, há riscos de nulidade?

Carlos Lima: Não há juridicamente a menor possibilidade, pois não se pode considerar que notícias de um órgão de imprensa vinculado ideologicamente com os interesses de condenados, seja considerada prova de qualquer coisa, salvo da vontade de libertar Lula. Cadê os arquivos? Como foram recebidos? Houve manipulação? É possível fazer perícia? Qual é a participação da Intercept no crime? Não fosse só esses poréns, tudo é ainda originário de um crime contra a própria Justiça, pelo que não há qualquer viabilidade de ter efeitos jurídicos.

Estadão:  A quem interessa o hackeamento de autoridades da Lava Jato?

Carlos Lima: A resposta está nos diálogos que foram revelados. Com tantas autoridades atacadas, interessante notar o foco exclusivo em libertar Lula e destruir Sérgio Moro.

Estadão:  O sr. vê autoria ou mando único entre quem hackeou e a divulgação desse material?

Carlos Lima: O ataque foi centralizado, altamente sofisticado, com um custo que ultrapassa em muito a capacidade financeira e tecnológica de meros hackers amadores em porões na casa da mamãe, como romanticamente são descritos. O hackeamento e a divulgação obedeceram comando único, dotado de um orçamento milionário e possivelmente com recursos tecnológicos de fora do País.

Estadão:  O material pode ser usado em processos, como fez a defesa de Lula agora?

Carlos Lima: O material, como já disse, não tem valor. Prova por notícia? Se a moda pega, basta produzir um material apócrifo e entregar a um jornalista preguiçoso ou leniente e, voilà, algum (ministro do Supremo) Gilmar Mendes irá dar crédito.

Estadão:  Pode ser caracterizado como uma tentativa de obstrução a Lava Jato?

Carlos Lima: É claro que sim. Houve diversos crimes e a Polícia Federal deve descobrir o culpado.

Estadão:  Sobre o conteúdo, mesmo que o material foi obtido ilegalmente, houve relação ilegal entre o juiz da Lava Jato e a acusação?

Carlos Lima: Essa é uma discussão sem sentido. A relação entre juiz e procuradores, juiz e delegados, juiz e advogados se dá diuturnamente. Questões procedimentais, exposição de pontos de vista e explicação de futuros pedidos são comuns. Somos todos conhecidos, não amigos, de mais de 20 anos. Não há nada de irregular nas conversas. Essa é a prática judiciária. Observo, novamente, que não se pode atestar que essas conversas não tenham sido editadas, motivo pelo qual nada disso significa qualquer coisa relevante.

Estadão:  Quando o juiz questiona andamento das operações da investigação, questiona método de interrogatório do Ministério Público Federal ou combina recebimento de denúncia-crime, não há desiquilíbrio entre as partes?

Carlos Lima: Como disse, a questão está sendo tratada com certo farisianismo. Informar estado de investigações é necessário para explicar pedidos cautelares. O juiz reclamar das partes e de suas decisões acontece direto, inclusive em audiência. Quantas vezes fui conversar com juízes sobre liminares e eles disseram simplesmente: “nem gaste saliva, Doutor, a decisão liminar sai ainda hoje”. Isso acontece com a defesa também. Ou será que os três parlamentares do PT estavam de graça na PF antes mesmo da liminar do desembargador ( do TRF-4 Rogério) Favreto sair? Não reconheço validade a nenhuma conversa, e mesmo assim não vejo nada especial nelas.

Estadão: Houve conluio entre a força-tarefa e o juiz Moro no caso das supostas conversas sobre escutas de Lula e Dilma Rousseff, sobre a informação de transferência de imóveis dos filhos de Lula?

Carlos Lima: Me parece que houve a comunicação ao Ministério Público de supostos crimes que o juiz teve conhecimento.

Estadão:  Como recebeu a reação ao conteúdo, como os pedidos de afastamento de Moro e do coordenador da força-tarefa Deltan Dallagnol encampado pela OAB, ministros do Supremo e advogados acusando relação indevida nos diálogos?

Carlos Lima: Com incredulidade. Considero que há muitos garantistas de fachada, que se valem de supostas conversas criminosamente obtidas para valerem seus interesses. Gostaria de saber como reagiria Gilmar Mendes se aparecesse uma conversa apócrifa em seu nome. Será que pensaria da mesma maneira? Aliás, no passado ele foi flagrado conversando com um investigado que estava sofrendo medidas cautelares. Qual foi a explicação? No passado Gilmar visitou na calada da noite o presidente Michel Temer, que era objeto de denúncia da Procuradoria-Geral da República. Alguma explicação?

Tudo é cercado de muita e muita hipocrisia. Tudo é dirigido para soltar Lula. Será que o triplex não existiu? Que não houve corrupção na Petrobrás? Que o Brasil é o país das maravilhas e todos nós devemos ser governados, bestializados, por uma cleptocracia?

Estadão:  É o mais duro ataque sofrido pela Lava Jato nesse cinco anos?

Carlos Lima: É um ataque covarde e criminoso, perpetrado por uma organização criminosa que, valendo-se de um jornalista ideologicamente comprometido e leniente, pois até agora não explicou como isso tudo veio parar em suas mãos, nem como procurou aferir a veracidade, autenticidade e integralidade das conversas, consegue criar esse falso drama com conversas pinçadas segundo o objetivo claro de libertar Lula. É um ataque grave, e o Estado não pode permitir que tenha sucesso, pois se tornaria em um precedente para novos ataques e novas notícias apócrifas surgirem. A Lava Jato acostumou-se a ataques mentirosos, mas a sordidez deste ultrapassou qualquer limite.

Por Fausto Macedo, Julia Affonso e Ricardo Brandt

O Estado de São Paulo

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