Por Daron Acemoglu* e James A. Robinson*
Na Idade Média, as cidades-Estados italianas capitanearam a “revolução comercial” europeia com inovações no sistema financeiro, comércio e tecnologia. Aconteceu então uma coisa estranha. Em 1264, para tomar um exemplo, a população de Ferrara decretou que “O magnífico e ilustre fidalgo Obizzo… será o comandante, o governador, general e senhor perpétuo da cidade”. De uma hora para outra, uma república democrática optou pelo voto por deixar de existir.
Na verdade, esse não era um episódio pouco comum no norte da Itália na época. Como explica Nicolau Maquiavel em “O Príncipe”, o povo, ao ver que não consegue resistir à nobreza, dá seu apoio a um homem, a fim de ser defendido por sua autoridade. A lição é a de que o povo abandona a democracia se estiver preocupado com a possibilidade de uma elite ter capturado suas instituições.
As instituições democráticas da Itália medieval tinham sucumbido ao que poderíamos chamar atualmente de populismo: uma estratégia antielitista, antipluralista e excludente para montar uma coalizão dos descontentes. O método é excludente porque repousa em uma definição específica do “povo”, cujos interesses têm de ser defendidos contra não apenas as elites, como também todos os outros. Por isso, no Reino Unido, o líder do Brexit, Nigel Farage, prometeu que um voto por “sair” em 2016 seria uma vitória para o “verdadeiro povo”. Como disse Donald Trump em comício de campanha no mesmo ano, “o outro povo não significa nada”. No mesmo sentido, o ex-presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, muitas vezes fala das “pessoas de bem”.
Existem dois motivos óbvios pelos quais esse populismo é ruim. Em primeiro lugar, seus elementos antipluralistas e excludentes minam as instituições democráticas e os direitos fundamentais; em segundo lugar, ele dá preferência a uma concentração excessiva de poder político e à desinstitucionalização, o que leva a um fornecimento precário de bens públicos e a um desempenho medíocre da economia.
No entanto, o populismo pode se tornar uma estratégia política atraente quando prevalecem três condições. Primeira, as acusações de domínio da elite têm de ser suficientemente plausíveis para que a população lhes dê crédito. Segunda, para que a população apoie alternativas radicais, as instituições em vigor têm de ter perdido sua legitimidade ou não ter conseguido enfrentar algum novo desafio. E terceira, uma estratégia populista tem de parecer factível, apesar de sua natureza excludente.
Todas essas três condições podem ser encontradas no mundo de hoje. O aumento da desigualdade nos últimos 30 anos permite concluir que o crescimento da economia beneficiou desproporcionalmente uma pequena elite. Mas o problema não é apenas desigualdade de renda e de riqueza: há também a crescente suspeita de que a distância social ente a elite e todos os demais aumentou.
Na Europa, Jean-Claude Juncker, ao ocupar o cargo de premiê de Luxemburgo, descreveu certa vez a tomada de decisões do Conselho Europeu da seguinte maneira: “Decretamos alguma coisa, depois a pomos em circulação e esperamos algum tempo para ver o que acontece. Se não houver clamor – porque a maioria das pessoas não capta o que foi decidido -, continuamos, passo a passo, até alcançar o ponto sem volta”. Essa lógica elitista é intrinsecamente vulnerável ao populismo.
Como estratégia de desinstitucionalização, o populismo atrai o grupo crescente dos que estão desiludidos com as providências vigentes. Nos Estados Unidos, a percepção generalizada de que as instituições não conseguiram abordar questões como a desigualdade corrói a confiança da opinião pública nas principais instituições desde a década de 1970. Após não terem conseguido prever a crise financeira de 2008, os formuladores de políticas públicas americanos agora enfrentam dificuldades para regulamentar (e taxar) novas “megaempresas” como a Amazon e o Facebook. São vistos, além disso, como tendo errado com relação à globalização e aos efeitos do “Choque da China” sobre os mercados de trabalho locais. No mesmo sentido, na Europa, o aumento da mobilidade da mão de obra e as sucessivas crises de refugiados são amplamente vistas como tendo ultrapassado a capacidade de carga das instituições da União Europeia (UE) [como conceito tomado emprestado da biologia].
Além de administrar mal os novos desafios, as instituições e os formuladores de políticas públicas também não conseguiram enxergar para além de seus próprios discursos dominantes. Por exemplo, às vésperas do plebiscito do Brexit, a campanha pela “permanência” se concentrou inteiramente nos custos econômicos de sair da UE, embora as pesquisas de opinião mostrassem que a migração e outras questões eram preocupações muito mais importantes dos eleitores.
Finalmente, para o populismo obter uma base de sustentação, os próprios políticos precisam vê-lo como uma estratégia viável. De modo geral, declarar que “o outro povo não significa nada” não é a melhor maneira de arrebanhar amplo apoio. Assim, mesmo quando fatores estruturais o favorecem, o populismo só pode ter êxito em determinadas circunstâncias. No caso de Trump, a intensa polarização partidária significa que ele pode apelar para eleitores secundários ou de preferências flutuantes [entre democratas ou republicanos], porque sabe que os republicanos votarão nele, aconteça o que acontecer. E, de modo mais geral, o populismo consegue ganhar quando o “outro povo” é definido de forma reducionista ou quando é simplesmente pequeno em número, desde que ainda possa ser retratado como representando uma ameaça.
Para derrotar o populismo, portanto, é preciso abordar todos os fatores que o tornam uma estratégia viável. Isso começa com o reconhecimento de que o populismo só pode surgir quando há os verdadeiros problemas sociais e econômicos que lhe dão tração eleitoral. Isso significa também ser sincero com relação ao fato de que há visões concorrentes e contestadas de cidadania, que deveriam ser discutidas, não ignoradas.
Finalmente, precisamos de mais democracia e representação – inclusive, possivelmente, plebiscitos -, para que os eleitores sintam que suas preocupações estão sendo levadas a sério. A classe política deveria prospectar novas maneiras de tornar o governo mais representativo da sociedade. A Índia, por exemplo, tem cotas definidas com base em castas para assentos no Parlamento e outros cargos, e muitos outros países fazem o mesmo com relação a gênero. Não há motivo para os EUA e a Europa não seguirem medidas semelhantes. (Tradução de Rachel Warszawski)
*Daron Acemoglu é professor de economia no MIT.
*James A. Robinson é professor de governo na Harvard University. São coautores de Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity, and Poverty. Copyright: Project Syndicate, 2019.
Valor Econômico