Ricardo Galhardo e Ricardo Brandt
Estadão
Um ano depois de ser preso após a condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua mandando no PT. Por meio de bilhetes, cartas ou nomeando porta-vozes, o ex-presidente dá as orientações para o partido, que obedece.
A atuação da bancada petista na audiência com o ministro da Economia, Paulo Guedes, na quarta-feira passada – comparada pelo presidente Jair Bolsonaro a um “pelotão de fuzilamento” – foi resultado do entendimento de que a reforma da Previdência é impopular e tem potencial para provocar o descolamento de parte do eleitorado de Bolsonaro, especialmente os eleitores evangélicos de baixa renda que não querem perder direitos nem viver com dúvidas quanto à aposentadoria.
O FOCO DE LULA – De sua cela improvisada na sala de 15 metros quadrados na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, Lula emitiu a ordem dez dias atrás: o PT deve deixar para o segundo semestre as discussões sobre a escolha da próxima direção partidária, marcada para novembro, e concentrar na reforma da Previdência sua atuação como oposição a Bolsonaro. Este vai ser o foco do partido nos próximos meses.
Além disso, Lula diz que a postura “subalterna” de Bolsonaro diante do presidente dos EUA, Donald Trump, poderia servir de vetor para o descontentamento de uma parcela nacionalista do eleitorado.
Mas a principal intervenção feita pelo ex-presidente nos últimos dias foi em relação à disputa interna do PT. Na semana passada, ele chamou o deputado José Guimarães (PT-CE), que tenta construir uma candidatura à presidência da sigla, para uma conversa em Curitiba. “Ele apontou três questões centrais para o PT em 2019: o foco agora são a reforma da Previdência e a soberania. O debate sobre a renovação do partido fica para o segundo semestre”, disse o deputado.
COMO BOMBEIRO – Além disso, Lula agiu como bombeiro na escalada de atritos entre o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Segundo aliados de ambos, a rivalidade continua, mas o clima melhorou. Raramente algum petista questiona as orientações do ex-presidente. Em público, nunca.
Para analistas, a incapacidade do PT de andar com as próprias pernas um ano depois da prisão de Lula pode ser ruim para o partido no futuro. “Essa relação do PT com seu líder é perigosa porque nega a renovação. Ainda mais quando este líder não pode se comunicar”, disse o cientista político Carlos Melo, do Insper.
O cientista político Fábio Wanderley dos Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), vincula a prisão à migração de eleitores de Lula para Bolsonaro na eleição do ano passado. “Um grupo do eleitorado tem uma certa identificação com líderes populistas.”