Caso Marielle: PF cumpre mandado de busca e apreensão na casa de Domingos Brazão

Conselheiro afastado do TCE disse que tem foro privilegiado e que mandado de busca e apreensão não poderia ter sido cumprido

Brazão diz que mandado de busca e apreensão não poderia ter sido cumprido; ele afirma que policiais 'quase atiraram' em seu cachorro Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Brazão diz que mandado de busca e apreensão não poderia ter sido cumprido; ele afirma que policiais ‘quase atiraram’ em seu cachorro Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

Por Chico Otavio e Vera Araújo

Às vésperas de o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes completar um ano, a Polícia Federal pode dar um novo rumo às investigações do caso. Uma apuração paralela à da Polícia Civil aponta a possibilidade de existir um esquema para forjar provas e coloca várias pessoas sob suspeita. A Polícia Federal realizou nesta quinta-feira uma operação que joga luz sobre outros nomes, que podem ter relação com o crime. Entre elas, um delegado da própria PF e o conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Domingos Brazão.

Seguindo uma linha totalmente diferente a dos investigadores do estado, os policiais federais acreditam que um PM, até então considerado uma testemunha-chave, foi usado para desviar o foco da investigação dos verdadeiros suspeitos. O policial, que já integrou a quadrilha do miliciano Orlando de Curicica, denunciou que o criminoso, que foi seu patrão, e o vereador Marcello Siciliano (PHS), tiveram um encontro em que discutiram o fato de Marielle estar prejudicando os negócios de uma quadrilha de paramilitares e seriam os mentores do assassinato.

Seguindo essa teoria, policiais federais cumpriram, nesta quinta pela manhã, oito mandados de busca e apreensão. O objetivo era buscar evidências de que Orlando e Siciliano foram usados no plano de uma milícia para desarticular a outra, ambas com interesses na Zona Oeste.

Durante todo o dia, a PF manteve sigilo sobre os alvos, mas já se sabe que agentes estiveram nas casas de Brazão e Ferreira. Equipes também recolheram mídias eletrônicas e documentos nas residências da advogada do PM, de sua advogada, Camila Moreira Lima Nogueira, do delegado da Polícia Federal Hélio Khristian e do ex-policial civil Jorge Luiz Fernandes, conhecido como Jorginho. Os mandados de busca e apreensão foram autorizados pelo juiz do 4º Tribunal do Júri, Gustavo Kalil, que, no fim do ano passado, também determinou que a Polícia Civil compartilhasse o conteúdo de seu inquérito sobre a morte de Marielle e Anderson com a PF.

DA TESTEMUNHA-CHAVE AOS MANDADOS
 
A entrada da Polícia Federal pode mudar o rumo das investigações
 
Testemunha-Chave
DELEGACIA DE
HOMICÍDIOS
DH
DELATADO
Marcello
Siciliano
(VEREADOR / PHS)
DELATADO
Siciliano presta depoimento na Delegacia de Homicídios e nega a acusação
 
Orlando de
Oliveira Araújo
(CURICICA)
MPF
MINISTÉRIO
PÚBLICO
FEDERAL
 
Após a delação, 8 alvos
• Domingos Brazão
• Rodrigo Ferreira
• Camila Nogueira (advogada da testemunha)
• Hélio Khristian (delegado federal)
• Jorge Luiz Fernandes (ex-policial civil)
• outros três ainda não divulgados
Raquel Dodge
(PROCURADORA-
GERAL DA
REPÚBLICA)
PF
POLÍCIA
FEDERAL

— Entraram na minha casa às 6h15m. Estavam com uniformes camuflados, metralhadoras, escudos e capacetes. Arrombaram minha porta e quase atiraram no meu cachorro. Eu tenho foro por prerrogativa de função, sou conselheiro do TCE. A ordem foi expedida por um juiz de primeiro grau do estado; um mandado de busca e apreensão em uma propriedade minha deveria estar assinado por um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O suposto esquema para incriminar Siciliano e Orlando teria começado em maio do ano passado, quando o PM, ainda prestava serviços para o miliciano. Ele procurou três delegados da PF contando a versão sobre a trama para matar a vereadora e os agentes o levaram para depor na Delegacia de Homicídios da Polícia Civil, na condição de testemunha-chave. Em seu depoimento, relatou ter ouvido Orlando e o vereador criticando Marielle, em junho de 2017, durante um encontro em um restaurante do Recreio. Ela e Anderson Gomes foram mortos no dia 14 de março do ano passado, em uma emboscada no Estácio.

Siciliano prestou depoimento e negou a acusação, assim como Orlando, que está preso desde outubro de 2017 por posse ilegal de arma. Depois da acusação da testemunha, o miliciano foi transferido para a Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Na cadeia do Nordeste, o miliciano foi ouvido pelo Ministério Público Federal, e afirmou ter sido coagido pela Delegacia de Homicídios a assumir o assassinato de Marielle e Anderson. Além disso, denunciou um suposto esquema de pagamentos de propina à Delegacia de Homicídios da capital, que investiga o caso.

O depoimento de Orlando chegou à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que pediu a entrada da PF no caso. Em outubro do ano passado, uma força-tarefa, que deu origem à operação desta quinta-feira, passou a investigar a apuração da Polícia Civil do Rio, ficando conhecida como a “investigação da investigação”. No mesmo mês, o miliciano respondeu, por cartas, 15 perguntas feitas pelo GLOBO. Na ocasião, reafirmou que estava sendo “vítima de uma cilada”, armada pelo ex-policial civil Jorge Luiz Fernandes, o Jorginho.

Jorginho foi preso em 2008, numa operação contra corrupção policial, mas foi solto após ser inocentado. Desde então, segundo Orlando, ele, já expulso da Polícia Civil, passou a brigar pelo controle de uma milícia que era chefiada por Geraldo Pereira, morto em 2016. Orlando trabalhava para Pereira, e, após seu assassinato, assumiu as comunidades de Jacarepaguá, incluindo o Terreirão e Curicica. Jorginho, então, teria se aliado ao PM para tentar tomá-las.

Advogado de Brazão, Ubiratan Guedes foi à PF e se disse “preocupado com os rumos do inquérito”:

— Como a sociedade cobra uma solução, as autoridades estão partindo para uma injustiça.

Os outros alvos da operação, assim como Marcello Siciliano, não foram localizados para comentar o assunto.

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