Às vésperas de o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes completar um ano, a Polícia Federal pode dar um novo rumo às investigações do caso. Uma apuração paralela à da Polícia Civil aponta a possibilidade de existir um esquema para forjar provas e coloca várias pessoas sob suspeita. A Polícia Federal realizou nesta quinta-feira uma operação que joga luz sobre outros nomes, que podem ter relação com o crime. Entre elas, um delegado da própria PF e o conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Domingos Brazão.
Seguindo uma linha totalmente diferente a dos investigadores do estado, os policiais federais acreditam que um PM, até então considerado uma testemunha-chave, foi usado para desviar o foco da investigação dos verdadeiros suspeitos. O policial, que já integrou a quadrilha do miliciano Orlando de Curicica, denunciou que o criminoso, que foi seu patrão, e o vereador Marcello Siciliano (PHS), tiveram um encontro em que discutiram o fato de Marielle estar prejudicando os negócios de uma quadrilha de paramilitares e seriam os mentores do assassinato.
Seguindo essa teoria, policiais federais cumpriram, nesta quinta pela manhã, oito mandados de busca e apreensão. O objetivo era buscar evidências de que Orlando e Siciliano foram usados no plano de uma milícia para desarticular a outra, ambas com interesses na Zona Oeste.
Durante todo o dia, a PF manteve sigilo sobre os alvos, mas já se sabe que agentes estiveram nas casas de Brazão e Ferreira. Equipes também recolheram mídias eletrônicas e documentos nas residências da advogada do PM, de sua advogada, Camila Moreira Lima Nogueira, do delegado da Polícia Federal Hélio Khristian e do ex-policial civil Jorge Luiz Fernandes, conhecido como Jorginho. Os mandados de busca e apreensão foram autorizados pelo juiz do 4º Tribunal do Júri, Gustavo Kalil, que, no fim do ano passado, também determinou que a Polícia Civil compartilhasse o conteúdo de seu inquérito sobre a morte de Marielle e Anderson com a PF.
DA TESTEMUNHA-CHAVE AOS MANDADOS
A entrada da Polícia Federal pode mudar o rumo das investigações
Marcello
Siciliano
(VEREADOR / PHS)
Siciliano presta depoimento na Delegacia de Homicídios e nega a acusação
Orlando de
Oliveira Araújo
(CURICICA)
MINISTÉRIO
PÚBLICO
FEDERAL
• Domingos Brazão
• Rodrigo Ferreira
• Camila Nogueira (advogada da testemunha)
• Hélio Khristian (delegado federal)
• Jorge Luiz Fernandes (ex-policial civil)
• outros três ainda não divulgados
Raquel Dodge
(PROCURADORA-
GERAL DA
REPÚBLICA)
Brazão ficou inconformado quando agentes do Comando de Operações Táticas da Polícia Federal entraram em sua casa, num condomínio de luxo na Barra. Depois da operação, em uma breve entrevista ao GLOBO, ele se queixou, alegando ter foro privilegiado por ser conselheiro do TCE :
— Entraram na minha casa às 6h15m. Estavam com uniformes camuflados, metralhadoras, escudos e capacetes. Arrombaram minha porta e quase atiraram no meu cachorro. Eu tenho foro por prerrogativa de função, sou conselheiro do TCE. A ordem foi expedida por um juiz de primeiro grau do estado; um mandado de busca e apreensão em uma propriedade minha deveria estar assinado por um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O suposto esquema para incriminar Siciliano e Orlando teria começado em maio do ano passado, quando o PM, ainda prestava serviços para o miliciano. Ele procurou três delegados da PF contando a versão sobre a trama para matar a vereadora e os agentes o levaram para depor na Delegacia de Homicídios da Polícia Civil, na condição de testemunha-chave. Em seu depoimento, relatou ter ouvido Orlando e o vereador criticando Marielle, em junho de 2017, durante um encontro em um restaurante do Recreio. Ela e Anderson Gomes foram mortos no dia 14 de março do ano passado, em uma emboscada no Estácio.
Siciliano prestou depoimento e negou a acusação, assim como Orlando, que está preso desde outubro de 2017 por posse ilegal de arma. Depois da acusação da testemunha, o miliciano foi transferido para a Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Na cadeia do Nordeste, o miliciano foi ouvido pelo Ministério Público Federal, e afirmou ter sido coagido pela Delegacia de Homicídios a assumir o assassinato de Marielle e Anderson. Além disso, denunciou um suposto esquema de pagamentos de propina à Delegacia de Homicídios da capital, que investiga o caso.
O depoimento de Orlando chegou à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que pediu a entrada da PF no caso. Em outubro do ano passado, uma força-tarefa, que deu origem à operação desta quinta-feira, passou a investigar a apuração da Polícia Civil do Rio, ficando conhecida como a “investigação da investigação”. No mesmo mês, o miliciano respondeu, por cartas, 15 perguntas feitas pelo GLOBO. Na ocasião, reafirmou que estava sendo “vítima de uma cilada”, armada pelo ex-policial civil Jorge Luiz Fernandes, o Jorginho.
Jorginho foi preso em 2008, numa operação contra corrupção policial, mas foi solto após ser inocentado. Desde então, segundo Orlando, ele, já expulso da Polícia Civil, passou a brigar pelo controle de uma milícia que era chefiada por Geraldo Pereira, morto em 2016. Orlando trabalhava para Pereira, e, após seu assassinato, assumiu as comunidades de Jacarepaguá, incluindo o Terreirão e Curicica. Jorginho, então, teria se aliado ao PM para tentar tomá-las.
— Como a sociedade cobra uma solução, as autoridades estão partindo para uma injustiça.
Os outros alvos da operação, assim como Marcello Siciliano, não foram localizados para comentar o assunto.