Ana Carolina Amaral
Folha
?À frente do Ministério do Meio Ambiente, Ricardo Salles (43 anos, promete conciliar interesses ruralistas e ambientalistas, acelerar o licenciamento ambiental e diminuir os conflitos da pasta ambiental com outras áreas do governo e do setor privado. O mais importante é a decisão de o governo brasileiro fazer o que for conveniente para o país na questão ambiental, cumprindo suas próprias metas. “Não seremos pautados por uma agenda internacional”, descarta o novo ministro.
O senhor, assim como a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, defendem a permanência do Brasil no Acordo de Paris. Mas o maior parceiro do MMA nas negociações climáticas é o Ministério das Relações Exteriores, cujo embaixador tem se posicionado contra a agenda climática. Como deve lidar com isso?
Eu não diria que o embaixador é contra a agenda; ele é contra os efeitos que um instrumento multilateral às vezes tem trazido para o Brasil, excessos de ingerência. No caso do Acordo de Paris, me parece que o embaixador também entendeu que nós não precisamos sair. Se você já leu o Acordo de Paris, você vê que ele é uma carta principiológica, não é necessariamente bom nem ruim. Nós não precisamos sair, estamos de acordo com os princípios. Não podemos deixar que os princípios sejam usados para dentro do ordenamento jurídico brasileiro para que se criem normas desconectadas da realidade ou excessivamente rigorosas, que interfiram no desenvolvimento econômico sustentável do Brasil sob o pretexto do Acordo de Paris. Uma coisa é fazer parte do acordo, outra coisa é receber no ordenamento jurídico brasileiro todas as normas que o pessoal lá de fora quer que a gente adote. E usam o Acordo de Paris como pretexto. Nós vamos fazer o que for conveniente para nós. Não seremos pautados por uma agenda internacional.
Mas esse é o princípio da NDC [sigla em inglês para metas determinadas pelos próprios países no Acordo de Paris].
Exato. Então, o que eu acho que não ficou claro é esse entendimento de que não precisamos sair e nem ficar, aquilo que nos for oferecido sob a égide do Acordo de Paris e for bom para o Brasil, nós vamos aceitar. Principalmente as vantagens financeiras, daquilo que já fizemos. Nós já fizemos, o Brasil tem a agricultura mais sustentável do mundo.
Mas faz sentido falar em imposições quando o senhor reconhece que as metas do acordo são criadas pelo próprio país?
É que a imposição vem também por um questão de opinião pública. Quando a gente começa a sofrer essas pressões todas de tudo quanto é organismo, entidade. ONG, isso é uma imposição. O que eu penso, e acredito que nesse aspecto falo também pelo presidente, é que as nossas posições serão tomadas de acordo com nossos interesses. O que entendermos que for bom para o Brasil, faremos. Aquilo que não estiver alinhado com o que a gente quer, por qualquer razão que seja, nós não faremos. Ah, mas e o que o consenso internacional quer? Ué, vai ficar querendo.
Então, o senhor não acha que o MRE deva dizimar sua estrutura de negociação do clima?
Não acho que eles estejam fazendo isso, como eu também não fiz. Dizimar é diferente de você reorganizar sua estratégia de ação. Nem eu dizimei o trabalho de clima, nem acho que o Ernesto Araújo está fazendo isso lá. O que fiz e acho que ele está fazendo é tornar a equipe mais eficiente, para que tenha mais foco nessas questões de compromisso e resultado.
Aumentar a eficiência reduzindo as equipes?
Às vezes você precisa reduzir as equipes. Essa história de ficar viajando pelo mundo para debater o acordo do clima, eu acho que está errado. O Brasil tem uma posição importante, mas não podemos mobilizar uma força enorme para ficar debatendo pontos, muitos os quais já conhecemos.
Nas últimas conferências do clima, ouvi negociadores de vários países que concordam nesse ponto com o senhor. Mas enquanto as conferências acontecem anualmente, não é importante que o Brasil marque presença na mesa?
Desde que não seja uma participação por si mesma. Há uma falta de objetividade nas nossas participações nesses eventos. Vão delegações enormes para discutir coisas que nós já sabemos. Às vezes são temas de interesse privado ou acadêmico, não do governo. Ficam lá 14 dias discutindo um assunto e a gente com um monte de trabalho para fazer aqui no governo.
Mas essas negociações trouxeram, por exemplo, o Fundo Amazônia, que foi um dos maiores patrocinadores do trabalho do MMA nos últimos anos.
É verdade, o Fundo Amazônia decorre dessas conversas. Mas eu me pergunto: será que neste momento, nós teremos vantagens para serem obtidas pelo Brasil que justifiquem uma equipe nessa dimensão? Pode até ser que justifique, mas a equipe tem que sair daqui com uma missão. Olha, nós estamos investindo um valor homem/hora para isso, portanto eu quero que o Fundo Amazônia que está em R$ 1,7 bilhão venha para R$ 8 bi.
Seria uma postura de negociação mais agressiva?
Mais tangível, mais concreta. Se a gente tiver claro quais são as vantagens, não tem problema ir em todos os eventos. Mas cada vez que for em um evento, tem que trazer um benefício para o Brasil.
Então o senhor acha que o MMA não ficou enfraquecido?
Acho que não.
Mesmo com a perda do Serviço Florestal Brasileiro para a Agricultura?
Mas a perda só foi parcial, no que diz respeito à produção. O CAR (Cadastro Ambiental Rural) perdia sinergia por estar em dois ministérios. Vivi essa realidade aqui em São Paulo. Aqui, o SICAR [Sistema CAR, que inclui o programa de regularização ambiental] também estava dividido entre as secretarias do Meio Ambiente e da Agricultura. Não tinha o menor sentido. Cada passo, cada decisão, precisa de reunião das duas pastas.
Agora, o MMA não perde voz e poder para participar dessas decisões?
A parte de estruturação do CAR, a formação do banco de dados, tudo isso vai andar lá na Agricultura. A fiscalização dos aspectos ambientais decorrentes dos dados do CAR continua conosco. Vou pegar um dado pronto lá da Tereza Cristina e vou fiscalizar. Nós estamos querendo montar uma sala de cenários lá no ministério com as imagens de satélite da Amazônia e do Cerrado, para monitorar de maneira mais próxima e com o intervalo de tempo mais curto possível. Queria que fosse diário, não sei se vai dar, porque tem as nuvens e tal. Para monitorar a evolução de tudo isso, a exploração de madeira ilegal, a supressão de vegetação. Onde vou pôr esses dados? Em cima do CAR. Não perdemos a ferramenta. O governo é um só. Mas uma pessoa só gerindo a ferramenta é mais eficiente do que duas áreas batendo cabeça. Não acho que houve esvaziamento, de jeito nenhum.
Outra proposta que o senhor tem defendido é o de Pagamento por Serviços Ambientais para quem preserva seus territórios. Já tem um plano de implementação?
O Fundo Amazônia gastou no ano passado quase R$ 100 milhões com consultorias. A tangibilidade desse resultado tem sido bastante duvidosa —nós vamos analisar isso daqui para frente. Eu quero manter o fluxo de doações do fundo, mas transformar em coisas palpáveis. Uma delas é o pagamento por serviços ambientais. Vai direto para o beneficiário final da política de preservação. Ele vai sentir na pele. Vai ter a opção concreta de não desmatar dentro daquela área que a lei permite. Você disponibiliza o dinheiro para o produtor rural, patrocinado pelas doações lá de fora, e deixa que ele decida, faça a conta. Isso é uma política lógica, que traz resultado. Porque o que acontece hoje: o sujeito tem o direito de desmatar naquela área, mas o pessoal boicota o licenciamento dele até não poder mais. Começa daí a injustiça do poder público. Daí ele faz e é taxado de desmatamento, porque como você não tem o dado se ele fez dentro do limite legal ou não, isso entra na conta.
O senhor tem criticado os dados de desmatamento e especialistas o têm rebatido.
Do jeito que a turma defende, parece que o Inpe chega no dia 1º de janeiro e faz o monitoramento de toda a Amazônia, depois no ano seguinte faz a conta de mais e menos e vê quanto desmatou. Não é assim que funciona. Você não passa o scanner por cima da área toda o tempo todo; o satélite passa a cada 14 dias, se tiver uma nuvem, já não viu ali. Então faz um número por estimativa. Os dados não são precisos, nesse aspecto. Menos precisos ainda são sobre o que está embaixo: se é unidade de conservação, se é propriedade rural, se está legal ou ilegal. Às vezes o Ibama não dá licença porque não quer que desmate, mas está dentro da área que o proprietário pode desmatar. Em tese, ele está ilegal, mas não fez nada de errado. Então precisamos ter menos emoção nisso aí para lidar de maneira mais técnica. Por isso queremos essa sala de cenários no ministério. Vamos trazer os dados do Inpe, que são bons, mas não são precisos do ponto de vista desse esmiuçamento.
Mas, ao contrário do que o senhor tem dito, os dados do próprio governo mostram que 60% do desmatamento em 2018 veio de áreas públicas griladas e vendidas a produtores rurais e somente 15%, de áreas protegidas e terras indígenas.
Esses dados não são do Inpe, são de uma pessoa que interpreta essas informações. O Inpe dá a fotografia de onde foi desmatado.
São os dados oficiais. O monitoramento do Imazon confirma essa proporção.
Isso, o Imazon é o grupo. Utilizando recurso público, esse fundo da Amazônia, ele faz esse trabalho interpretativo. Tem credibilidade? Não sei.
Eles fazem monitoramento, com critérios diferentes do governo. Os dados podem diferir, mas nesse caso batem.
Tem que usar um dado chamado TerraClass, que é um sistema da Embrapa com o Inpe. Esse é o dado mais apropriado.
Por quê?
Porque ele faz duas coisas: ele conta as áreas que foram desmatadas e acompanham que finalidade foi dada para essas áreas nos anos seguintes. O Prodes [sistema do Inpe] faz o seguinte: áreas que sofreram supressão da vegetação, ele nem olha mais. Tem áreas que sofrem regeneração. Mas a questão não é do percentual, é como vamos usar esse dado para fazer fiscalização, para diminuir desmatamento, diminuir extração de minério ilegal dentro de unidade de conservação. O que eu queria fazer é pegar esses dados do desmatamento e fazer um mapinha de quais são as propriedades que estão dentro desses dados. E nós vamos in loco.