Ana Carolina Amaral
Folha
?Ricardo Salles, 43 anos, foi o último ministro a ser indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL). Fundador do Movimento Endireita Brasil, em 2006, foi secretário particular do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, secretário do Meio Ambiente em São Paulo e diretor jurídico da Sociedade Rural Brasileira, entidade do agronegócio que apoiou sua indicação.
À frente do Ministério do Meio Ambiente, ele promete conciliar interesses ruralistas e ambientalistas, acelerar o licenciamento ambiental e diminuir os conflitos da pasta ambiental com outras áreas do governo e do setor privado.
Assim que foi indicado para ministro, o senhor disse à Folha que tinha questões ambientais mais importantes e mais tangíveis do que a discussão sobre o aquecimento global. Quais são suas prioridades?
Nenhum país vai ser desenvolvido enquanto não investir em saneamento. É um problema para a saúde das pessoas e para o meio ambiente. Segunda agenda importantíssima: gestão dos resíduos sólidos. Lixo. Qualidade do ar. Temos que criar um modelo de fiscalização de emissões. A indústria brasileira, pelo excesso de normas e regulações, avançou muito. Não é verdade, por outro lado, na parte da frota, sobretudo nos veículos a diesel. Tem que ter uma política muito restritiva nesses veículos a diesel, com inspeção anual veicular. As pessoas falam muito da Amazônia, mas a falta de controle da supressão da vegetação em áreas urbanas faz com que os problemas de qualidade do ar, do solo e falta de água vão se agravando na região metropolitana.
Ao destacar o ambiente urbano, o senhor está implicando que outras áreas não serão prioridades, como a Amazônia?
Não, estou dizendo que embora o tema Amazônia seja mais discutido hoje na imprensa, no Brasil e fora, o dano ambiental urbano que temos experimentado nos últimos anos é muito mais grave. Porque Amazônia, embora seja um problema, está sob o cuidado de várias entidades, monitoramento do Inpe, da Embrapa, com atividades de fiscalização que, embora tenham deficiências, estão acontecendo.
Quais são essas deficiências?
A primeira delas é uma falta de planejamento sobre o que fazer e como fazer. Nós tivemos um aumento de 14% do desmatamento no último ano apesar da fiscalização e apesar dos investimentos vultosos que foram feitos para essa fiscalização. Se a gente tivesse uma fiscalização eficiente, a tendência era isso caminhar para zero.
O senhor acha que há bastante investimento? Na última gestão, o orçamento do Ibama chegou a ficar dependente das doações internacionais.
Tem investimento, sim. Tanto que esse contrato que eu critiquei sobre a frota do Ibama era de R$ 30 milhões. Em quatro anos, o Ibama gastou mais de R$ 100 milhões em fretamento de helicóptero para fazer fiscalização. Então tem recurso. O que a gente precisa ter talvez é uma inteligência para operar melhor esses instrumentos de fiscalização, para que eles tenham mais incisividade e efetividade. São Paulo fazia as fiscalizações de maneira totalmente descoordenada. Assumi a secretaria com 112 dos municípios dos 645 municípios do estado com aterros inadequados, lixões. Não havia plano para lidar com isso, era uma fiscalização aleatória. Nós fizemos um plano, multamos, fizemos notificações. Ao final, consegui fechar 23 deles, apenas nove ficaram irregulares. As próprias prefeituras arrumaram seus aterros porque viram que a fiscalização tinha se tornado uma política permanente e firme. Era o mesmo time, com o mesmo equipamento, sem nenhum centavo a mais, só com planejamento.
Como vai transferir essa experiência para o nível federal?
Precisamos trabalhar com algumas equipes mais bem estruturadas lá na ponta. Não adianta ter uma grande equipe do Ibama em Brasília. Preciso de equipe no Pará, na Amazônia, Rondônia, Roraima.
Nesses estados, as equipes do Ibama e do ICMBio sofreram diversos ataques no ano passado. Isso lhe preocupa? O que pretende fazer para aumentar a segurança dos agentes de fiscalização?
Isso me preocupa muito. Acho que nós temos que andar em conjunto: as atividades de Polícia Civil dos estados, Polícia Federal, Ibama e, eventualmente, as Forças Armadas, quando em área próximo à fronteira. Para funcionar bem, precisa de um órgão regional coordenando as diversas forças.
O que lhe faz pensar que essa postura antagônica se deve a excessos de fiscalização e não a interesses dessas pessoas sendo contrariados?
Como em todo lugar do mundo, na agricultura tem gente boa e gente ruim, na exploração de madeira tem gente boa e gente ruim. Quando você coloca um pressuposto de que todo produtor rural da Amazônia e do Pará é criminoso em potencial e trata essas pessoas dessa maneira, você dá um mal sinal.
O senhor acha que isso foi feito em que nível? Lá na ponta?
Acho que isso foi feito em razão de um pensamento que foi sendo disseminado, foi permeando a atividade estatal nessa área, e que é ruim. Porque as pessoas, ao se sentirem injustiçadas, se colocam contra a função pública de preservação do meio ambiente, quando na verdade elas tinham que ser parceiras. Os bons agricultores têm que ser parceiros da fiscalização. Mas para isso a fiscalização tem que tratar de maneira diferenciada as pessoas sérias das pessoas que não são sérias. Isso é um pressuposto da boa relação e acho que esse é um ponto que a gente vai precisar melhorar.
Uma das principais contribuições brasileira ao Acordo de Paris é a meta de zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030. Sua gestão, que o senhor defende como uma gestão legalista em vez de “ideológica”, deve apoiar a implementação desta meta? Como?
Nós já assumimos bastante coisa decorrente do Acordo de Paris. Nós podemos prosseguir com os compromissos já assumidos. Há uma previsão de revisão das metas em 2020, talvez a gente possa dar uma olhada nisso, por ora vamos ficar com a que nós já temos.
Essa que nós já temos dá um prazo de até 2030 para combater o desmatamento ilegal.
O que vamos fazer no Brasil para combater o desmatamento ilegal, nós vamos fazer independentemente do Acordo de Paris. Nós vamos cumprir a lei, porque é lei. Mas vamos cumprir no exato limite da lei. O que muitas entidades querem é criar situações em que o cumprimento da lei não é suficiente, querem mais do que o cumprimento da lei.
Mas o Brasil ainda não conseguiu o cumprimento da lei. Como poderia ir além?
Mas a coisa não é homogênea. Por dificuldade de acesso, por erros, às vezes até comprometimento do agente, em alguns casos não há cumprimento de lei nenhuma. Em outros casos, estão se excedendo. O Brasil é enorme. Você tem áreas em que nem o cumprimento da lei está acontecendo, e nesses locais nós vamos fazer cumprir a lei, temos que criar um mecanismo para que isso aconteça. E há áreas em que o agente público está ultrapassando o que manda a lei.