O discurso de Marcito em 1964 e a guerrilha africana do médico David Lerer

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Márcio Moreira Alvezs, ao ser recebido na volta do exílio

Sebastião Nery

Desço no aeroporto de Portella de Sacavém, em Lisboa, em 1977. Passo no Hotel Phenix, deixo a mala, ligo para Marcio Moreira Alves, exilado lá. Atende outro:

– Nery, aqui é o David.

– David Lerer, o guerrilheiro africano?

– Cheguei hoje de Angola. Quase fui fuzilado lá. E você? O que é que está fazendo aqui?

– Passei uns meses na Espanha, cobrindo as eleições da Constituinte, vou na próxima semana a Paris e Moscou. Estou indo para aí agora mesmo.

Dez minutos e o taxi me deixava na Rua Sant’Ana em Lapa, onde ouvi a mais extraordinária história de guerra e política vivida por um brasileiro no exílio. Fiquei comovido:

– David, arranja um gravador e vamos começar a escrever um livro.

Começamos. Eu bebia vinho e perguntava, esmiuçava, David bebia vinho e contava. Depois de quatro horas de gravação, David empacou:

– Não dá mais, Nery. As feridas ainda estão frescas demais. Mais para a frente a gente continua.

VINHOS E BACALHAUS – Passei uma semana revendo amigos, Marcito, Irineu Garcia, Moema Santiago, toda a colônia brasileira exilada, e perambulando com David pelas velhas ruas, entre vinhos e bacalhaus, arrancando dele, sem gravador, pedaços de suas fantásticas histórias. Viajei, David começou a dar aulas na Faculdade de Medicina de Lisboa, esperando o fim do exílio.

Em abril de 1975, eu tinha chegado a Lisboa para ver as eleições da Constituinte, contratado pela Editora Francisco Alves para escrever meu livro “Portugal, um Salto no Escuro”. O roteiro foi o mesmo que repeti dois anos depois, em 1977. Descer no aeroporto de Sacavem, deixar a mala no velho hotel Phenix, seguir para a casa de Marcio Moreira Alves, que, naqueles tempos de ditadura, era a verdadeira embaixada do Brasil em Lisboa.

Uma semana depois, Marcito, David Lerer, César Mesquita, o diretor- editor da “Francisco Alves”, eu e Vera Mata Machado, cortamos Portugal de ponta a ponta, leste-oeste, norte-sul.

Mortos na áfrica – Em Santiago do Cacem, pequena vila branca do Baixo Alentejo, encravada nas vertentes da Serra de Grandola, eu vi, uma tarde, no cemiteriozinho de túmulos nus, Marcito e David contemplarem longo tempo as cruzes com os nomes de vários filhos do lugar, meninos do povo “mortos em combate em África”. Os dos ricos iam para Paris e Madrid.

Marcito, como eu, também estava pesquisando para seu livro “Os Soldados Socialistas de Portugal”, publicado primeiro em Lisboa.

Em geral a imprensa cometeu dois graves erros com ele. Primeiro destacou apenas o pequeno discurso de 2 de setembro no “Pinga Fogo” da Câmara, protestando contra a invasão da Universidade de Brasília e o fechamento da Universidade da Bahia.

O grande di

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