Cacá Diegues, um cineasta imortal

Desde o início de sua carreira, Cacá ampliou a representação do artista negro no cinema

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Por Artur Xexéo

A eleição de Cacá Diegues para a Academia Brasileira de Letras, como toda eleição na Academia Brasileira de Letras, provocou certa polêmica. “Mas ele escreveu algum livro?”, perguntou gente contrária a qualquer decisão da ABL. Até escreveu e é cronista de jornal já faz tempo, mas certamente o que levou Cacá à categoria de imortal foi sua obra cinematográfica. E, através desta obra, suas ideias.

O fato de entrar na vaga deixada por um colega de ofício, o cineasta Nelson Pereira dos Santos, deixa a impressão de que está sendo iniciada uma tradição: ter sempre um diretor de filmes entre os acadêmicos. Isso é mais do que justo. O cinema foi sempre um transmissor de ideias tão poderoso quanto a literatura. Em muitas ocasiões esteve à frente do pensamento no Brasil, como na época do Cinema Novo, movimento, aliás, do qual Cacá foi um dos criadores.

Imagino que um cineasta não estivesse entre os 30 intelectuais que criaram a ABL em 1897 apenas pelo fato de o cinema ainda não ter sido inventado naquela ocasião. Pensando bem, se considerarmos como passo inicial da trajetória do cinema a primeira sessão de cinematógrafo dos irmãos Lumière em 1895, até que já havia cineastas quando Machado de Assis presidiu a primeira reunião de imortais. Mas é sempre bom lembrar que a tal sessão dos Lumière aconteceu em Paris e, embora a nossa Academia seja moldada na Academia francesa (daí vem o número de 40 acadêmicos), não dá pra pensar numa instituição brasileira do gênero com integrantes franceses. Pra dizer a verdade, já havia cinema no Brasil também. Um ano depois da exibição parisiense e um ano antes da reunião com Machado, em uma sala da Rua do Ouvidor, no Rio, foram projetados oito filmes de um minuto de duração cada por um aparelho chamado omniógrafo. Mas aquele não era o cinema como o conhecemos hoje, o cinema de Cacá.

Cacá na Academia vai trazer mais inteligência, mais pensamento democrático, mais ideias plurais, mais aceitação a uma instituição que já tem 121 anos. Não que isso esteja em falta na Casa de Machado. Mas estas características em excesso são sempre bem-vindas.

Ouço ainda gente dizer que a Academia perdeu a oportunidade de fazer História ao escolher um homem branco no lugar de uma mulher negra, numa referência à candidatura da escritora Conceição Evaristo. Impulsionada por uma campanha que mais parecia a de uma eleição de grêmio estudantil, com direito a abaixo-assinado com 20 mil assinaturas, Conceição só conquistou um voto, o que leva a certeza de que não conseguiu a adesão nem de todas as cinco mulheres que já fazem parte do eleitorado imortal.

Fala-se agora numa campanha que estabeleça cotas raciais na ABL. Isto é, pelo menos, irônico quando a gente se dá conta de que tal movimento foi motivado pela eleição de um dos cineastas brasileiros que mais levaram a voz do negro a ocupar a tela de nossos cinemas. Desde o início de sua carreira, Cacá Diegues — com “Ganga Zumba”, “Quilombo”, “Orfeu”, “Xica da Silva” — só ampliou a representação do artista negro no cinema. Talvez hoje, nesses tempos de lugar de fala, não o deixassem fazer estes filmes.

OGLOBO

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