A crise na Igreja Católica

Intrigas e lutas pelo poder no Vaticano não são novidade, mas costumavam permanecer ocultas nas maquinações dos altos postos da hierarquia da Igreja

A crise na Igreja Católica
As intrigas do Vaticano e as lutas pelo poder não são novidade (Foto: Xavi/Flickr)

Desde o início de seu papado, o Papa Francisco tem irritado os católicos conservadores com sua tentativa de suavizar as regras da Igreja Católica e torná-la mais aberta a questões como aborto e homossexualidade. “Quem sou eu para julgar?”, disse o papa.

Essa irritação de seus inimigos políticos e doutrinários ficou evidente com a publicação da carta do arcebispo Carlo Maria Viganò, ex-núncio em Washington de 2011 a 2016, em que culpou a “cultura homossexual” na hierarquia do Vaticano pelos abusos sexuais cometidos por padres. Além disso, em sua carta, Viganò acusou o Papa Francisco de “encobrir” os abusos sexuais do cardeal Theodore McCarrick e pediu a renúncia do pontífice por esse motivo.

As intrigas do Vaticano e as lutas pelo poder não são novidade, mas em geral permanecem ocultas nas maquinações dos altos postos da hierarquia da Igreja. No entanto, esse confronto público sem precedentes é um reflexo da relutância do papa em silenciar os críticos e a enfrentar com mais rigor a questão do abuso sexual infantil, que talvez mais do que outro tema, causou deserções entre os fiéis.

As acusações feitas na carta baseiam-se apenas no depoimento de Viganò. Ao ser perguntado sobre sua veracidade, Papa Francisco esquivou-se da resposta. Mas as acusações são sérias e, sobretudo a denúncia de acobertamento das relações sexuais de McCarrick com os seminaristas, atraiu o interesse do público.

“É um problema grave”, escreveu Sandro Magister, um jornalista especializado em notícias sobre a Igreja Católica, na revista L’Espresso. Em sua opinião, o papa não poderá ignorar as críticas dos católicos conservadores como em outras ocasiões. “Desta vez, o impacto no público foi muito mais forte e, por isso, ele está bastante vulnerável”, observou Magister.

Algumas pessoas que sofreram abusos sexuais e têm pressionado o Papa Francisco a tomar medidas concretas para reprimir os casos e punir os padres pedófilos, disseram que a carta do arcebispo Viganò explorou o abuso sexual para obter ganhos políticos. Segundo essas vítimas de abusos, suas acusações não revelaram uma preocupação genuína em relação aos crimes cometidos pelos padres.

O escândalo do abuso sexual de crianças atraiu a atenção e a indignação da comunidade católica, mas a visão de uma igreja mais progressista do Papa Francisco estimulou as críticas de seus inimigos em blogs e veículos de comunicação conservadores. O escândalo dos abusos já havia desencadeado um debate acalorado em jornais católicos. Alguns críticos da Igreja Católica culparam os votos do celibato pela homossexualidade e a pedofilia.

O cardeal Wilfrid Napier, da África do Sul, também culpou a homossexualidade pelo escândalo. E o cardeal Raymond Burke, um dos principais críticos do papa, atribuiu os abusos “ao problema grave da cultura homossexual na Igreja”.

Em 2005, o Vaticano instruiu as igrejas e padres a rejeitar candidatos a seminaristas com tendências homossexuais ou que apoiavam a “cultura gay”. Uma orientação confirmada pelo Papa Francisco em maio, ao dizer que em caso de dúvida a Igreja deveria rejeitar o ingresso de seminaristas com uma possível inclinação homossexual.

Ainda assim, o arcebispo Viganò e outros conservadores argumentaram que o papa e seus partidários aceitam seminaristas homossexuais e que ignoram o fato de que a grande maioria das vítimas de abuso sexual por padres é do sexo masculino.

Em sua carta, Viganò lamentou a nomeação do padre jesuíta James Martin, autor de um livro em que defendeu a ideia de que a Igreja Católica deveria acolher sem preconceitos seus fiéis homossexuais, como consultor da Secretaria de Comunicações do Vaticano. “A Igreja”, escreveu Viganó, “optou por corromper os jovens que participarão do Encontro Mundial das Famílias em Dublin, ao convidar padre Martin a fazer uma palestra”.

Em uma entrevista, padre Martin refutou a tese do arcebispo Viganò de que a homossexualidade era o cerne do problema dos abusos sexuais na Igreja. “A ideia de que padres homossexuais são mais propensos a cometer atos de pedofilia é um estereótipo”.

A carta de Viganò, propositalmente publicada por ocasião da visita do Papa Francisco à Irlanda, um dos lugares com uma das maiores incidências de abusos de membros do clero a menores, faz parte de uma campanha ultraconservadora dos EUA contra o pontífice. Porém, ignorou a denúncia do Supremo Tribunal da Pensilvânia de que 300 padres haviam cometidos abusos sexuais em suas paróquias durante 70 anos.

Fontes:
The New York Times-Vatican Power Struggle Bursts Into Open as Conservatives Pounce

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