Bernardo Mello Franco
O Globo
Para Fernando Henrique Cardoso, o Brasil se aproxima da eleição mergulhado num clima de ódio e de medo. O ex-presidente se diz assustado com a possibilidade de Jair Bolsonaro (PSL) chegar ao segundo turno. Neste caso, ele admite a hipótese de um acordo entre PSDB e PT, algo inédito desde 1989, quando os dois partidos se uniram contra Fernando Collor. “Não farei objeção a que o PT nos apoie. Naturalmente, isso significa também que não haveria objeção ao contrário. Mas nós pensamos de forma diferente” — ressalta.
Aos 87 anos, FHC acaba de entrar no Twitter. O tucano promete usar o próprio celular para conversar com os eleitores. Na sexta, um jovem quis saber o que ele pensou quando o ex-jogador Vampeta deu cambalhotas no Palácio do Planalto. “Pensei que ele fosse cair da rampa!” — respondeu.
Desde 1989, um candidato do PSDB não vai tão mal nas pesquisas. Por que Geraldo Alckmin não decola?
A mídia presta atenção em tudo o que é novo ou extravagante. Quando surgiu o Bolsonaro, eu disse: “Vai subir”. Até que o Geraldo ultrapasse a poeira, é difícil. Mas ele sempre ultrapassou. Em abril de 1994, eu virei candidato. Em maio, falei com a Ruth: “Vou desistir”. Eu tinha 12%, o Lula tinha 40%. As pessoas não acreditavam. Em agosto, comecei a crescer. Em outubro, ganhei no primeiro turno. É claro que tinha o Plano Real. Mas não é só o que você faz. É o que você fala. Tem que cacarejar.
Alckmin cacareja pouco?
Cada um tem um jeito de ser. O importante, em política, é não tentar ser o que não é. Este é o problema dos marqueteiros. O Geraldo ganhou várias vezes em São Paulo. Ele é médico, tem experiência, não enriqueceu na política, não é gastador. Tem que mostrar isso. Não basta ser simpático, tem que ser confiável.
Em 2006, ele foi criticado por vestir um macacão com os logotipos das estatais…
Ele foi o chefe da privatização em São Paulo. Aquilo foi marquetagem, foi errado. O marqueteiro é indispensável, mas ele tem que ressaltar o jeitão do candidato, e não fazer o candidato do jeitão dele. As pessoas percebem quando é inautêntico.
Alckmin se aliou ao centrão em troca de palanques regionais e tempo de TV. Isso ainda vai decidir eleição em 2018?
Não tenho certeza. Não é suficiente, mas é necessário. Embora a rede social tenha muita influência, a televisão tem peso. Todos os candidatos tentam ter o máximo de tempo. Quando um consegue, o outro acusa. Ele está apanhando porque fez o que todos ambicionavam e não conseguiram. Todos os presidentes tiveram que governar também com eles (os partidos do “Centrão”): eu, Lula, Dilma.
O PSDB ainda pode se recuperar do desgaste com a Lava-Jato?
Todos os partidos estão desgastados. O mensalão e o petrolão mostraram o dinheiro público sustentando partidos no poder. É outra natureza de corrupção, a corrupção da própria democracia. Não tem nenhum tesoureiro do PSDB na cadeia.
O senador Aécio Neves foi gravado pedindo R$ 2 milhões a um empresário. A polícia filmou as malas de dinheiro.
Isso prejudica, obviamente, a imagem do partido. Não dá para tapar o sol com a peneira.
Por que o PSDB não o expulsou?
Ele não foi condenado ainda. Tem que respeitar a Justiça.
Um colaborador próximo de Alckmin, Laurence Casagrande, foi preso sob suspeita de desviar dinheiro do Rodoanel.
São Paulo faz muita obra. É possível que funcionários tenham ganhado alguma coisa. Mas não vi nada indo para o Alckmin. Nada que possa prejudicar a imagem dele. No passado, caixa dois era uma coisa banal. É errado? É. É crime eleitoral. A Justiça vai ter que separar bem as coisas. Tudo é crime, mas são crimes diferentes. Sou favorável à Lava-Jato. Pode haver exageros. Acho difícil aceitar prisão provisória por mais de um ano, por exemplo. Não é bom ver pessoas que você conhece indo para a cadeia, mas o processo era necessário. O Brasil não aguenta mais assalto ao cofre.
O ministro Gilmar Mendes diz que há um Estado policial.
Há uma predisposição de acusar, é verdade. Faz parte da cultura do Ministério Público. Mas o processo legal está sendo seguido. Acho grave dizer que estamos vivendo um Estado policial. Não estamos. Você pode ter excessos. Mas eu vivi o Estado policial, sei o que é isso. Nós não vivemos isso aqui. Há uma tentativa de desmoralizar o sistema. Quem sancionou a Lei da Ficha Limpa foi o Lula. Se você foi condenado em segunda instância, não está em condições de ser candidato. Tem que cumprir a lei.
O PT diz que eleição sem Lula é fraude. O sr. concorda?
Não. Vai haver eleição, e o PT vai concorrer. O Comitê de Direitos Humanos da ONU declarou que o Lula deve ser candidato. Qual a base para isso? Querem que desrespeite as leis brasileiras? A lei é clara. Ele não tem, pela lei, a qualificação para ser candidato. Como é que o tribunal vai registrar? É preciso fortalecer as instituições. Nas democracias, sempre há o risco de eleger um personalista malucão. Ainda mais agora. Quando as instituições são fortes, elas seguram. Quando não são fortes, o malucão as derruba. Eu vi isso na América Latina tantas vezes…
Muitos especialistas dizem que haverá pouca renovação no Congresso. Por quê?
Reforçaram a oligarquia partidária. É difícil (renovar). Com essa legislação, que limitou recursos e pôs na mão dos oligarcas dos partidos, como é que faz? E quem se eleger presidente vai governar com quem? Com os que estão no Congresso.
Marina Silva diz que é possível governar só com os melhores…
Tudo bem. Boa intenção ajuda. Especialmente no convento, na universidade… Na política, você tem que ter um certo grau de realismo. Gosto da Marina, me dou com ela, mas não acho que vá para o segundo turno. Ela tem pouco tempo de TV. Há uma certa fragilidade na candidatura, nela mesma. O povo sente isso. Ela tem uma causa, é aberta, mas falta um pouco de malignidade. Esse negócio de ser presidente da República não é fácil. Eu não sei por que tanta gente quer… (risos).
Nos cenários sem Lula, o líder é Bolsonaro. O que explica isso? As pessoas estão com ódio e com medo. No Brasil, além da incerteza, tem a violência e a corrupção. O apelo por uma solução forte e simplista é grande. O Leste europeu está todo indo para a direita. Em alguns casos, para um neofascismo. O Trump quebrou os partidos com essa linguagem forte. O Bolsonaro é um reflexo deste momento de incerteza. O que ele fez como deputado? Eu não sei. Sei que ele queria me fuzilar numa certa altura. Queria matar 30 mil pessoas (o deputado já disse que o país precisava de uma guerra civil, mesmo que morressem 30 mil). É uma visão simplória da história.
Ele se diz liberal na economia…
Vai acreditar nisso? A vida inteira ele não foi assim. Ele não deve ter uma convicção maior. Ele não sabe.
Bolsonaro o assusta?
Assusta. Não creio que ele tenha a experiência e a visão democrática de aceitar o outro com facilidade. O pior, para mim, é que ele tem soluções simplistas e autoritárias. Eu não acredito nisso. Acredito que as coisas são complicadas e que você precisa convencer. Num país diverso como o nosso, como é que você governa sem capacidade de juntar?
É possível que ele vá ao segundo turno. O PT acha que o segundo turno vai ser Haddad e Alckmin. Eu acho que pode ser Bolsonaro e Alckmin.
E se for Bolsonaro e Haddad? O PSDB pode apoiar o PT?
Não quero aliança com o PT. Somos diferentes. O PT virou um partido hegemônico. A história nos separou.
PT e PSDB já se aliaram para evitar a eleição de quem julgavam ser um mal maior. Marta e Covas se juntaram duas vezes contra Maluf.
É verdade. O Covas era grande. Acho que precisamos evitar uma descambada para os extremos. Na hora da eleição, você tem que ter voto. Vai polarizar quem tiver voto.
E se o PSDB ficar fora?
Não farei objeção a que o PT nos apoie. Naturalmente, isso significa também que não haveria objeção ao contrário. Mas nós pensamos de forma diferente. O que acho é que isso (um eventual acordo no segundo turno) deve se dar dentro de uma visão democrática.
Se Lula for barrado, o PT deve lançar Fernando Haddad. O que acha dele?
Tenho uma boa relação pessoal com o Haddad. O que acho complicado é que ele está sendo visto como marionete do Lula. Um presidente tem que ter força própria para governar.