Os gestos e comportamentos dos personagens estão no centro da representação com o propósito de captar sua condição, invariavelmente disfuncional
© Divulgação
Produzido pelos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, este primeiro longa-metragem do tunisiano Mohamed Ben Attia compartilha a estética humanista dos filmes da dupla de realizadores belgas.
Os gestos e comportamentos dos personagens estão no centro da representação com o propósito de captar sua condição, invariavelmente disfuncional.
A figura central aqui é Hedi (Majd Mastoura), 25 anos, nascido em uma família relativamente abastada, que trabalha sem nenhum entusiasmo como representante comercial de uma grande fabricante de automóveis.
O rapaz está prestes a se submeter às velhas tradições sociais, casando-se com uma jovem que mal conhece. O jogo facial de Mastoura caracteriza perfeitamente a introversão e a angústia do personagem, dominado com mão de ferro pela mãe viúva (Sabah Bouzouita), que acredita estar fazendo o melhor para ele.
O enquadramento enfatiza o sofrimento interior de Hedi, pois a câmera o segue bem de perto, reduzindo o espaço, o que amplia a sensação de reclusão. As cenas em que se encontra clandestinamente com a noiva dentro do carro -outro espaço limitado- reiteram esse sufocamento.
O lacônico Hedi só tem satisfação quando desenha histórias em quadrinhos. É “artista como o pai”, nas palavras da mãe ao apresentá-lo à família da noiva.
Mas o desenho -espaço de expressão pessoal em uma vida cinza e programada por terceiros- é um exercício solitário que não rompe a reclusão, pois as histórias em quadrinhos ficam trancadas em um armário.
Um dia Hedi é obrigado a viajar a trabalho para uma cidade costeira. No hotel, conhece Rim (Rym Ben Messaoud), uma dançarina que se apresenta para os hóspedes.
Assim como a praia diante do hotel é um espaço vasto que conota liberdade e se contrapõe ao enclausuramento de Hedi, Rim -independente e espontânea- condensa ideais semelhantes como desejo e emancipação.
Hedi se apaixona por ela, que o incentiva a publicar suas HQs. Ele encara isso como um sonho, pois não sabe como realizá-lo; para ela é um projeto -o que explicita as diferenças entre ambos.
Ao mesmo tempo, e sem carregar nas tintas, o filme estabelece um paralelo entre as potencialidades da Primavera Árabe -que começou exatamente na Tunísia-, desejo de libertação de um país, e a autodescoberta de Hedi, que reflete sobre seu destino e também pode se libertar, abrindo-se às possibilidades do mundo- dois processos que carregam seu respectivo quinhão de agruras.
Sem fazer concessões à facilidade, o desfecho impregnado de resignação aponta para os limites de Hedi, tão impotente quanto a decadente sociedade à qual pertence. Com informações da Folhapress.
A AMANTE (HEDI)
PRODUÇÃO Tunísia, Bélgica, França, 2016
DIREÇÃO Mohamed Ben Attia
ELENCO Majd Mastoura, Rym Ben Messaoud, Sabah Bouzouita
QUANDO Estreia na quinta (31)
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO Bom