Há 50 anos, acontecia o primeiro transplante de coração no Brasil

Na madrugada de 26 de maio de 1968, equipe liderada pelo médico Euryclides de Jesus Zerbini fez no HC/USP o primeiro procedimento do tipo na América Latina

O primeiro paciente de transplante cardíaco do Brasil sobreviveu apenas 28 dias após a cirurgia. Apesar da morte precoce, João Boiadeiro viveu dez dias a mais que o primeiro paciente a passar pelo procedimento, na África do Sul. Apesar de já existirem medicamentos imunossupressores, usados para controlar a rejeição nos receptores de transplantes, esse ainda era um dos principais problemas da época.

Por esse motivo, o número de transplantes realizados por ano foi diminuindo no mundo inteiro até a década de 80, quando foi aprovado o uso da ciclosporina em humanos. Esse medicamento, capaz de reduzir as reações que causam a rejeição de órgãos, é utilizado até hoje como tratamento inicial ou de segunda linha, quando as medicações imunossupressoras usadas anteriormente não funcionaram.


Tecnologia à serviço da medicina

Outro empecilho resolvido pelo avanço da medicina foi o tempo entre a retirada do órgão e a sua instalação no corpo do receptor. Na época dos primeiros transplantes, era preciso que doador e receptor estivessem o mais próximo possível um do outro para que a transferência fosse imediata, impedindo que o coração ficasse muito tempo no gelo e a hipotermia pudesse impedir que ele voltasse a bater depois de reimplantado no receptor. Hoje em dia, o coração pode ficar até quatro horas fora do corpo e, muitas vezes, passa parte desse tempo viajando de avião, por exemplo, para chegar ao destino final.

Além disso, uma equipe de pesquisadores da Universidade da Califórnia (UCLA, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, desenvolveram o Organ Car System (OCS), equipamento capaz de manter o coração e outros órgãos pulsando enquanto ocorre o transporte, o que aumenta o tempo de viabilidade dele fora do corpo humano. No entanto, como seu uso encarece o procedimento cirúrgico, o equipamento é usado apenas como último recurso, mas há previsões de que no futuro ele possa ser utilizado com maior frequência. Por enquanto, muitos médicos ainda preferem optar pelo método convencional, que oferece resultados satisfatórios.

O progresso tecnológico também permitiu a criação de corações e ventrículos artificiais capazes de auxiliar o coração debilitado a bater por mais tempo, mantendo o indivíduo vivo até o momento do transplante, que pode acontecer rapidamente ou levar anos. Eles podem ser utilizados interna ou externamente, dependendo da necessidade do paciente, sendo uma alternativa para pessoas que não podem receber transplante.

Infelizmente, no Brasil, o uso destes mecanismos ainda é limitado por causa dos custos – o Instituto do Coração é um dos poucos hospitais no país que dispõe de alguns em versão para adultos e crianças. O pioneirismo no implante de dispositivo de assistência ventricular (DAV) na América Latina também pertence ao Brasil, tendo sido realizado em 1993, no Incor.

O que esperar para o futuro

Segundo Fábio Jatene, diretor da divisão de cirurgia cardíaca e vice-presidente do Conselho Diretor do Incor, em São Paulo, apesar das dificuldades enfrentadas pelos pioneiros do transplante cardíaco, eles conseguiram provar que era possível substituir um órgão vital do corpo humano, demonstrando que doenças cardíacas poderiam ser superadas, especialmente as mais graves. Graças a este primeiro passo, a medicina evoluiu ainda mais com o passar dos anos.

“Eu vejo o futuro do transplante de uma forma muito otimista. Muitas mudanças estão ocorrendo, inclusive a possibilidade de desenvolver novos órgãos que possam ser encomendados geneticamente, o que poderia prevenir a rejeição nos pacientes para os quais eles são destinados. Nós tivemos avanços extraordinários nesses cinquenta anos e eles devem continuar. Eu imagino que nos próximos vinte anos nós tenhamos muito mais avanços do que nas primeiras décadas do transplante de coração. Essa é a minha expectativa pessoal”, comentou.

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