Na Sapucaí, até a corrupção acaba em samba

Destaque do último carro alegórico da Paraíso do Tuiuti vestido de vampiro com uma faixa presidencial e notas de dinheiro, uma alusão ao presidente Michel Temer Foto: Mauro Pimentel / AFP

Havia notas de dólar na faixa presidencial de Temer

Bernardo Mello Franco
O Globo

Foi o carnaval mais politizado dos últimos anos. As críticas aos governantes deram o tom dos desfiles na Sapucaí. Melhor assim. Não faz muito tempo, grandes escolas obrigavam os foliões a exaltar o progresso de Campos, Cuiabá e Maricá. Comovidos, os prefeitos abriam os cofres para patrocinar as homenagens. Com verba pública, é claro.

Em 2018, a chapa-branca deu lugar à contestação. A Mangueira transformou o prefeito Marcelo Crivella num boneco de Judas. A Tuiuti retratou o presidente Michel Temer como um vampiro. A Beija-Flor lembrou a farra dos guardanapos do ex-governador Sérgio Cabral.

DEU CERTO – Pode ter sido a falta do dinheiro oficial, mas deu certo. As três escolas empolgaram o público e foram celebradas além dos limites do Sambódromo. Isso é bom para a festa, que vem perdendo prestígio e capacidade de surpreender.

Nas redes sociais, os foliões de esquerda aclamaram a Paraíso do Tuiuti. A escola debochou do pato da Fiesp, dos batedores de panela e da reforma trabalhista. Deu um recado mais contundente que a maioria dos partidos de oposição.

MALAS DE DINHEIRO – A Beija-Flor exibiu um Congresso cercado por malas de dinheiro e ratazanas. Ao lembrar as vítimas da violência, encenou tiroteios e enterros de crianças. Foi a preferida de quem endossa o discurso contra “tudo isso que está aí”.

O debate é interessante, mas convém não levá-lo muito a sério. Quem se empolgar demais com a indignação das escolas corre o risco de cair na mesma armadilha dos “manifestoches” da Tuiuti.

O Sambódromo é um território onde o crime convive animadamente com o poder. Chefões do jogo do bicho e das milícias comandam a festa e se esbaldam nos camarotes. São bajulados por artistas, empresários e jogadores de futebol.

DONO DA FESTA – A campeã Beija-Flor, que criticou a corrupção dos políticos, é comandada há décadas pelo contraventor Aniz Abraão David, o Anísio. Em 2012, ele foi condenado a 48 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro, sonegação e contrabando. Continua solto graças à generosidade do Supremo Tribunal Federal.

Ontem, na festa da apuração, o capo foi exaltado ao vivo em rede nacional. “Anísio, esse título é teu!”, gritou um dirigente da escola de Nilópolis. Alguém duvida?

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