Sem reforma tributária, aumento de imposto é saída de emergência

Expediente comum para tapar buraco nas contas do país, aumento emergencial de tributo maquia necessidade de reformas estruturais no sistema tributário

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Por Dimalice Nunes
Na ausência de medidas que alterem a estrutura do sistema tributário brasileiro, aumentos emergenciais de tributos seguem como prática recorrente na hora de cobrir rombos nas contas públicas. Foi o que aconteceu na quinta-feira 20, quando o governo de Michel Temer decidiu elevar os tributos que incidem sobre os combustíveis. Fez, ainda, um bloqueio adicional de 5,9 bilhões de reais em gastos no orçamento federal.

No entanto, especialistas defendem que enquanto o país não assumir a necessidade de mudanças estruturais – governo e Congresso empacam um reforma tributária há quase 20 anos – esse tipo de medida será sempre necessária, o que torna o sistema tributário brasileiro cada vez mais distorcido, pesando sempre mais para quem tem menos.

“Mecanismos eficientes para reduzir de fato a sonegação por si só já seriam uma forma mais justa de elevar a arrecadação”, afirma Paulo Azevedo, professor de estratégia financeira do Ibmec-SP. “Socialmente, elevar alíquotas do Imposto de Renda para altas rendas e taxar grandes fortunas também seriam medidas justas, mas politicamente difíceis por contrariarem os interesses de quem tem mais”, acrescenta o economista.

E quando se pensa em isonomia do sistema tributário, é fato que elevar tributos sobre os combustíveis não é a melhor saída. Além de o valor ser o mesmo para todos os bolsos, aumentos dessa natureza impactam toda a cadeia produtiva: pesa sobre o frete, que pesa sobre os alimentos, sobre outros bens de consumo, sobre a tarifa do transporte público e por aí vai.

“O ideal seria pensar num tributo que preservasse mais a população de forma geral. Um exemplo seria a CSLL dos bancos. As empresas pagam 9% e as instituições financeiras mais. Já houve dois aumentos, poderia haver o terceiro. É claro que os bancos repassam esse aumento para os clientes, é o correntista quem paga. Mas se a gente pensar em quem tem conta, a população menos privilegiada seria menos atingida”, pondera Alexandre Motonaga, professor da FGV e especialista em políticas públicas.

Azevedo defende ainda uma readequação dos benefícios concedidos às empresas nos últimos anos. As desonerações de tributos dadas pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff desde 2011 somariam cerca de R$ 458 bilhões até 2018, quando terminaria seu mandato. A maior parte dos benefícios não foi revertida.

Uma das medidas, a desoneração da folha de pagamentos para 56 setores da economia, pode acabar antes do previsto, janeiro de 2018. O governo tenta antecipar o fim do benefício, inicialmente para 1º de julho deste ano. No entanto, a matéria foi rejeitada na comissão mista que a analisou e agora tranca a pauta da Câmara.

A MP passará a valer depois de votada nos plenários da Câmara e do Senado e o governo deve trabalhar duro para derrubar o adiamento. Mesmo que consiga, não haverá tempo hábil para colher efeitos robustos na arrecadação ainda neste ano. Em todo o ano de 2017, a renúncia fiscal com a desoneração da folha de pagamentos é calculada em R$ 14,63 bilhões.

A redução de impostos começou no governo Lula, no final de 2008, como forma de estimular o crescimento do país e compensar os efeitos da crise global. Até 2009, os benefícios foram tímidos. A renúncia fiscal passou a ser mais intensa no ano seguinte, quando Dilma foi eleita, e explodiu em 2011, seu primeiro ano de mandato, numa tentativa de manter a atividade econômica aquecida. Não deu certo.

Como medida emergencial, no início de 2015 a equipe econômica de Dilma, à época sob a batuta de Joaquim Levy, elevou as alíquotas de PIS/Cofins e da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre o combustível, o que gerou um aumento de 22 centavos sobre o litro da gasolina e de 15 centavos no diesel na refinaria.

Além disso, Levy anunciou a reversão da desoneração do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que voltou a ser de 3% para pessoas físicas. O impacto de todas as medidas anunciadas resultou em uma arrecadação extra de R$ 20,6 bilhões ao longo de 2015. O governo, então,  enfrentou paralisações e buzinaços de caminhoneiros, além de fortes críticas das entidades patronais.

Pouco mais de dois anos depois e a história se repete. Desta vez a tributação sobre os combustíveis mais que dobrou. Na gasolina, o PIS/Cofins passou de 38 centavos por litro para 79 centavos. No diesel, de 24 centavos para 46 centavos por litro. O aumento da tributação sobre os combustíveis, de acordo com os cálculos do governo, vai gerar uma receita adicional de 10,4 bilhões de reais até o final de 2017. Desta vez, a reação foi inversamente proporcional ao aumento: um exemplar do pato amarelo discretamente voltou à sede da Fiesp em São Paulo.

Preços sob controle

Pesa a favor de Michel Temer um importante indicador econômico, a inflação. Abaixo da meta depois de oito trimestres seguidos de retração da economia – interrompidos apenas em junho – os índices de preço não devem sentir de forma significativa o peso do aumento dos combustíveis.

“A inflação não deve ser impactada, estamos em recessão. Mas aumento de preços nos combustíveis pode desacelerar ainda mais a retomada”, alerta Motonaga, da FGV. “Ideal talvez fosse preservar o diesel para que a alta de preços não fosse disseminada por toda a economia.”

Existe ainda a sensação de controle que vem da queda da taxa básica de juros, hoje em 9,25% ao ano depois do sétimo corte seguido. “E com a tendência de queda dos juros, um leve aquecimento da economia também deve resultar em arrecadação”, afirma Azevedo, do Ibmec-SP.

O que o mercado quer

Sempre que o orçamento aperta a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) volta à baila. Apesar do “provisória” no nome, vigorou durante 11 anos, de 1996 a 2007. Houve, ainda, uma experiência de um ano em 1994. De 1997 a 2007, a CPMF arrecadou R$ 223 bilhões. Em 2007, último ano de vigência da contribuição, foram recolhidos R$ 37,2 bilhões, segundo balanço divulgado pela Receita Federal.

Embora mais isonômica, já que incide proporcionalmente sobre as movimentações financeiras, a CPMF, diferentemente do aumento dos combustíveis, desagrada também o investidor internacional. “Espanta o capital estrangeiro”, resume Paulo Azevedo, do Ibmec.

“A CPMF é de fácil controle, mas com um custo político maior. Tem um impacto geral e é de fato mais isonômica, mas o governo estaria disposto a criar um novo imposto? Pesa ainda que o propósito inicial era financiar a saúde e agora ela serviria para cobrir um buraco”, explica Alexandre Motonaga, da FGV. De certa forma, a gritaria no aumento do combustível é na hora e depois o aumento é absorvido. A CPMF está lá no extrato, sempre sendo lembrada. Impostos embutidos são mais discretos

E a economia muitas vezes se apoia em indicativos. “Por mais amargo que seja elevar impostos, é um sinal de que o governo está fazendo o que é preciso. Mostra que estão sendo tomadas as providências para manter as promessas (cumprir as metas das contas públicas). O cobertor é curto, mas mostra ao mercado comprometimento”, detalha Paulo Azevedo.

Motonaga lembra, ainda, que o aumento de impostos não foi exatamente uma surpresa, já que o ministro Henrique Meirelles falou disso em vários momentos. “Como houve um desarranjo, o remédio ficou mais amargo”, afirmou o economista usando a mesma analogia do colega.

Ele lembra ainda o quanto a crise política pesa sobre uma retomada adequada da economia. “A crise econômica precede a política, mas estaríamos melhor sem o episódio do Joesley”, afirma se referendo às delações de Joesley Batista.

Rombo

As contas do governo registraram um déficit primário de 56 bilhões de reais no primeiro semestre deste ano e a meta do governo é de que a conta fique negativa em R$ 139 bilhões de reais em todo o ano de 2017. Foi o pior resultado para o primeiro semestre desde o início da série histórica, em 1997. Até então, o maior déficit para esse período havia sido registrado em 2016 – quando o rombo somou R$ 36,47 bilhões no primeiro semestre.

Desde o começo de 2017 as receitas com impostos foram menores que as previstas, o que levou a equipe econômica a anunciar, no mês retrasado, uma série de medidas para tentar atingir a meta, entre elas um corte de R$ 42,1 bilhões em gastos.

Juntamente com o aumento de impostos sobre os combustíveis, o governo contingenciou 5,9 bilhões de reais. A maior parte desse corte atinge o setor de infraestrutura: a redução em despesas do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) foi de 5,2 bilhões de reais. Foram remanejados R$ 2,3 bilhões do PAC para atender a “necessidades emergenciais” de outros ministérios. Somando as duas medidas, o corte do programa chegou a 7,5 bilhões de reais.

Na contramão da aparente responsabilidade do governo em cumprir as metas fiscais, houve um esquema de distribuição de emendas que beneficiou partidos e parlamentares da base do governo. Somente entre os meses de abril e junho de 2017 foram distribuídos cerca de R$ 755 milhões aos 19 partidos aliados do governo.

Ao longo das duas semanas que antecederam a votação da denúncia por corrupção contra Michel Temer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, o governo federal ignorou o rombo em seu orçamento e liberou verbas que chegam a 15,3 bilhões de reais para estados e municípios. Somente em emendas parlamentares de deputados federais, foi empenhado um total de 1,9 bilhão de reais, valor próximo ao que havia sido processado nos cinco meses anteriores, 1,8 bilhão de reais.

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