O governo anunciou na segunda-feira 14 alguns aumentos de impostos para tentar transformar o rombo de 30 bilhões de reais no orçamento de 2016 em uma sobra de 34 bilhões. Embora tivesse à mão um leque de opções capazes de tornar o sistema tributário brasileiro mais justo, o pacote tem propostas progressivas tímidas. O motivo foi o boicote do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
Entre as medidas anunciadas, só duas atacam a injustiça da tributação nacional, concentrada na taxação do consumo, um modelo punitivo dos mais pobres.
Uma cria uma tabela progressiva de imposto de renda (IR) sobre o lucro obtido na venda de imóveis. Hoje, há uma alíquota de 15% de IR no lucro nestas transações. O governo quer cobrar 20%, 25% ou 30% em cima dos ganhos que, durante um ano, superem um milhão de reais.
A outra reduz um pouco as vantagens obtidas pelas empresas no uso de um dispositivo chamado “juros sobre capital próprio”. Este mecanismo, criado por uma lei de 1995 e existente só no Brasil, permite às pessoas jurídicas inventar uma despesa para pagar menos IR.
Juntas, as duas medidas, caso entrem em vigor tal qual propostas pelo governo, vão render 2,9 bilhões de reais anuais, nas contas da equipe de Levy.
A principal aposta tributária do governo para fechar o orçamento de 2016 é recriar a CPMF com uma alíquota de 0,20%. Renderia 32 bilhões de reais por ano.
Além da volta da CPMF, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, defendia dentro do governo duas medidas tributárias progressivas. Alíquotas maiores para o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). E fim da isenção de IRPF na distribuição de lucros e dividendos a donos e sócios de firmas.
Barbosa contava com o apoio de ao menos dois ministros do chamado núcleo duro do governo: Miguel Rossetto (Secretaria Geral) e Ricardo Berzoini (Comunicações). Segundo um ministro deste núcleo duro, Levy resistiu a “enfrentar os tubarões”, tendo optado por propostas que lhe pareciam “neutras”, ou seja, incapazes de transmitir sinal contrário ao “andar de cima”.
“A principal medida de progressividade tributária hoje no Brasil é acabar com a isenção de IR nos lucros e dividendos”, diz Sérgio Gobetti, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e ex-secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
Por coincidência, Gobetti participou logo após o anúncio do governo de um debate na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado sobre a carga tributária nacional. Ele e o também pesquisador do Ipea Rodrigo Orair examinaram dados recém-divulgados pela Receita Federal sobre o IRPF e concluíram que a maior distorção está na blindagem dos lucros e dividendos.
A isenção foi instituída pela mesma lei de 1995 que inventou o “juro sobre capital próprio”. Na declaração de IR entregue pelos brasileiros em 2014, essa isenção protegeu 71 mil contribuintes recebedores de quase 200 bilhões de reais isentos de tributação. “Há uma brutal concentração de renda no Brasil graças a essa isenção”, afirma Orair.
A volta do IR sobre a distribuição de lucros e dividendos poderia resolver quase sozinha os problemas do orçamento de 2016. Com uma alíquota de 15% como era até 1995, dizem os pesquisadores do Ipea, a taxação renderia 53 bilhões de reais por ano. Já com a aplicação da tabela progressiva do IRPF, com um teto de 27,5%, a arrecadação chegaria a 72 bilhões de reais anuais.
“O Brasil já avançou no gasto público para fazer justiça social. Falta arrecadar melhor”, diz o senador Lindberg Farias (PT-RJ), relator da subcomissão da CAE responsável pelo debate nesta segunda-feira 14.
Fonte: G1