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Histórias de repórter

  LUIZ OTÁVIO CAVALCANTI:PERDIDO DENTRO DO JOGO DAS LETRAS, O GOL SAIU PELA CULATRA   

 

POR MAGNO MARTINS

Todo político-gestor tem o direito de errar na escolha dos seus auxiliares. Joaquim Francisco, governador eleito de Pernambuco em 1990 pelo chamado PFL dissidente, que não era o de Ricardo Fiúza nem o de Gilson Machado, nem tampouco de Osvaldo Rabelo, em campanha na qual coordenei a área de Imprensa, não é infalível e também errou.

Errou na montagem da equipe, a etapa mais complexa e penosa para um governante após as eleições, não só pelas pressões naturais dos partidos aliados exercitando o direito da política do fisiologismo, mas também e, principalmente, pela escassez de bons quadros técnicos. E entre errar e trabalhar com o fator sorte se inserem as traições.

Joaquim criou uma jararaca dentro do seu quintal, que morria de inveja dele (e sabia disso, o que é pior), e de todos os técnicos como ele – porque foi o único da chamada safra Moura Cavalcanti (ex-governador) que não se projetou politicamente – que atendia pelo nome de Luiz Otávio Cavalcanti. A maior embromação de executivo que já conheci em toda a minha vida pública.

Sobrinho do ex-governador Roberto Magalhães, com quem trabalhou em seu Governo e também no Governo Marco Maciel, Luiz Otávio Cavalcanti exibia áurea de intelectual refinado, se apresentava como polivalente nas áreas de planejamento e finanças, mas, na verdade, em tudo em que emprestou esse “talento” deu errado. Foi assim nos governos a que serviu, no Diário de Pernambuco e até num supermercado, que quase faliu.

O DP, aliás, sob o seu comando, viveu a pior fase de toda a sua história. Ele usava o jornal apenas para exercitar a sua doentia vaidade. No Governo Joaquim, os demais auxiliares só se referiam a ele como “o pavão”. Fiz todo esse preâmbulo para chegar a um episódio envolvendo essa figura que foi o mais deprimente que vivi no Governo Joaquim.

Certa manhã de uma sexta-feira, com apenas seis meses de Governo, conversava potocas com o jornalista Inaldo Sampaio em meu gabinete de secretário de Imprensa quando recebo um chamado do governador Joaquim Francisco e corro ao seu gabinete. Lá, ele me entrega um artigo, em papel ofício branco, batido em máquina de escrever, com o nome de Jomard Muniz de Brito.

Escritor, professor universitário e cineasta, Jomard era uma espécie de agitador cultural daquela época, anos 90, ocupou vários cargos públicos e escreveu dezenas de livros, entre os quais “Contradições do homem brasileiro”, “Do Modernismo à Bossa Nova”, “Vanguarda e Retaguarda da Cultura Brasileira”. Era porta-voz de lições de inconformismo do filósofo pop, poeta, performer e reverenciado pela esquerda.

Irônico paladino das vanguardas, Jomard era conhecido como “o famigerado JMB ou o ETC do amor cortês” (como se auto-intitula). Formado em filosofia pela Universidade do Recife (atual Federal de Pernambuco), integrou a equipe de Paulo Freire no lançamento de seu programa de alfabetização para adultos. Seu livro “Contradições do homem brasileiro” chegou a ser retirado intempestivamente das prateleiras por um batalhão militar em 1964.

Com o AI-5, foi aposentado das universidades de Pernambuco e da Paraíba (por esta, foi ainda acusado de “manipular mentes juvenis”). Certa vez, uma palestra sobre o amor condenou-o a um inquérito policial. Confinado na mesma cela de Gregório Bezerra, Jomard tentou ensinar-lhe francês. Durante seu afastamento, lecionou na Escola Superior de Relações Públicas do Recife e coordenou treinamentos sobre comunicação e criatividade em corporações públicas e privadas. Com a anistia, em 1984 recuperou seu posto universitário.

Pelo seu perfil, um artigo assinado por ele elogiando Joaquim, que tinha pecha de direita, seria algo explosivo. De volta ao meu gabinete ainda encontrei Inaldo – e ele é testemunha – a quem mostrei o artigo e imediatamente sugeriu enviar para o seu irmão, o jornalista Ivanildo Sampaio, então editor-geral do jornal.

O artigo saiu publicado no domingo e teria sido um sucesso não fosse um grosseiro plágio do senhor Luiz Otávio Cavalcanti. Na segunda-feira, quando chego para o expediente, encontro a minha secretária Rosa, que serviu a vários secretários de Imprensa e até hoje está por lá, aflita. Informava que Jomard havia me procurado insistentemente para comunicar que o maldito texto não era da sua alcunha.

Tomei um choque terrível. Sabia que estava diante de uma fraude e procurei o governador. “Joaquim, estou com uma bomba nas mãos. Jomard me ligou dizendo que aquele artigo que o senhor me pediu para publicar não é de sua autoria”. O governador quase cai da cadeira e me pede para procurar imediatamente Luiz Otávio.

Luiz Otávio Cavalcanti, o autor do plágio, era nada mais nada menos do que o coordenador do Governo Joaquim na condição de secretário de Planejamento. A esta altura, os jornalistas que cobriam o Palácio das Princesas já estavam me procurando porque Jomard havia dado uma entrevista acusando o golpe do uso indevido do seu nome.

Me arrependo até hoje de não ter saído do Governo naquele dia. Fui, por uma questão de lealdade ao governador, obrigado a mentir numa forçação de barra do senhor Luiz Otávio Cavalcanti. Na chegada ao seu gabinete, ele me disse: “Vamos arranjar alguém que assuma o artigo”.

Fiquei de queixo caído com tamanha desfaçatez. O primeiro boi de piranha inventado por ele foi o então secretário de Educação, o macielista Roberto Pereira, que costumava escrever artigos para os jornais. Este, de pronto, se recusou, alegando que havia lido o texto e fugia muito ao seu estilo.

Sai então a sugestão de procurar Reinaldo Oliveira, do Teatro de Amadores de Pernambuco. A ideia era informar aos jornalistas que houve um equívoco. O artigo não era de Jomard, mas de Reinaldo Oliveira. Até hoje não compreendi, mas lembro que na época, quando assumiu a autoria, Reinaldo me disse que assim o faria porque não poderia negar nada a Joaquim, seu grande amigo.

A farsa, obviamente, não colou entre os jornalistas, não só pelas desconfianças do envolvimento de Reinaldo, mas também porque, desavisada, a esposa do diretor do TAP, quando procurada por jornalistas, negou, veementemente, que o artigo fosse de autoria do seu marido.

Os registros disso tudo, no caso de alguém, chocado, não acreditar na narração, estão numa ampla reportagem publicada no Jornal do Commercio naquela época, assinada pelo competente Rossini Barreira, setorista do Palácio do Campo das Princesas. Como bom repórter, Rossini, evidentemente, não engoliu a maluca versão oficial tramada por Luiz Otávio.

Até hoje, passados 24 anos, não compreendo as razões de Joaquim Francisco não ter demitido Luiz Otávio e, mais do que isso, pasmem, insistido com o nome dele, um ano e meio depois, para disputar a Prefeitura do Recife em 1992.

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