O supernovo e o superpopular: os R$ 4 milhões para Luan Santana, a Lei Rouanet, o Vale-Cultura, e a diferença entre dinheiro público e privado

1fev2014 luan santana no festival de verao de salvador 1391305168915 1920x1080 O supernovo e o superpopular: os R$ 4 milhões para Luan Santana, a Lei Rouanet, o Vale Cultura, e a diferença entre dinheiro público e privado

Existem duas maneiras úteis de o dinheiro público se envolver com arte: sustentando o supernovo e levando o superpopular aos pobres. É bom uso do  Tesouro Nacional apoiar a produção e a circulação de tudo o que é criação intransigente e inédita. Seja nova ou antiga, brasileira ou não. Contanto que o orçamento seja baixo e que não haja hipótese de patrocínio corporativo.

A maioria dos brasileiros não pode pagar R$ 200 por um show ou R$ 50 por um livro. Deveríamos todos poder votar com o bolso. O projeto do vale-cultura merece críticas, mas seria melhor do que nada, que é o que temos hoje.

Tudo o que está entre o supernovo e o superpopular deveria ser julgado caso a caso. Portanto, não pode ser transformado em política pública. Não em um país tão permeável às ações entre amigos.

Mudanças nas leis de incentivo ou na política de patrocínios da Petrobras e toda a cultura do país capotam. Cinema: a regra da “retomada” são produções de R$ 5 milhões que não recuperam um décimo dos recursos captados via leis de incentivo.

Teatro: a maior parte dos patrocínios vai para montagens de terceira com atores de novela -hits da Broadway etc. Música: idem, com requintes como o ministro da Cultura se beneficiar de renúncia fiscal -Gilberto Gil levou em 2009 R$ 445 mil do nosso dinheiro.

É excesso de zelo, portanto, eleger festivais goianos exemplo de lambança. Qual o problema de jovens músicos correrem atrás do seu? Não é a história deste país, todos se achegando para perto do cofre? Perto do rio de dinheiro público que escoa sem fim para megabancos e megafusões, apoiar roqueiros interioranos é um pinguinho no oceano.

“Se Gil pode, por que não eu?”, se pergunta a nova cena musical brasileira, o que prova que ela só é nova na idade de seus participantes.
Moeda alternativa, distribuição digital, cooperativas. Sim, quem quer viver de música tem de dar seus pulinhos. Mas o que interessa é grana grossa, governo, empresa grande. Da tropicália ao mangue beat a hoje, todo mundo adere tão rápido quanto possível. Doidão, sim, anarquia, já, mas só louco rasga dinheiro.
A vida, é fato, anda dura. Irving Azoff, empresário de Eagles, Guns N’Roses e hoje CEO da LiveNation, diz que só 6% da receita dos grandes artistas americanos vêm de música gravada. O resto é show, merchandising, patrocínio. Imagine no Brasil.

Arte provocativa já foi criada por gente com contas a pagar. Compromisso zero com o mercado gerou muito lixo para engrupir crítico/acadêmico. Arte não tem regras, mas vida de artista tem. A função da arte não é dar o que o povo quer -é revelar o que ele quer.
Já o artista quer ser bem amado e bem pago. Quem se importa de onde vem a grana?

(escrevi esse texto em 2010, para a Folha, sobre o título “Artista quer ser bem amado e bem pago”. Lembrei por causa de uma mini-polêmica com a aprovação de R$ 4,1 milhões na Lei Rouanet, para Luan Santana captar essa grana para uma turnê. Ué, se todos podem, porque ele não? Porque é sertanejo. O certo era acabar com a Lei Rouanet, pra ontem. De 2010 para cá pouco mudou, fora a aprovação do Vale Cultura, que não é grande coisa mas é um passo na direção certa. Abaixo, trecho de um texto deste blog, de 2009, defendendo o Vale Cultura…)

O projeto de Lei cria um Vale-Cultura no valor de R$ 50,00 mensais para quem recebe até cinco salários mínimos. Uns 14 milhões de trabalhadores serão beneficiados. O que você não gastar em um mês, acumula para o mês seguinte.

Será um cartão magnético. É uma mistura de Bolsa Família com Vale Refeição. A grana terá que ser gasta necessariamente na compra de produtos ou eventos culturais – cinema, teatro, shows, livros, CDs, DVDs etc.

Tem lá vários detalhes que podem e devem ser debatidos e melhorados. Mas o princípio é excelente.

Vivemos no capitalismo e aqui a missão do dinheiro privado é se multiplicar. A missão do dinheiro público é beneficiar o público. Quase nada é tão benéfico quanto dinheiro no bolso.

Naturalmente, vai ter crítico descendo o malho. Esse povão burro, vai gastar tudo em CD do Victor & Leo, show de forró e livro do Augusto Cury.

Que seja. Qual o problema? Alguém vai me provar que o novo disco do Caetano Veloso é culturalmente mais importante do que o da banda Calypso?

caetano Fernando Young O supernovo e o superpopular: os R$ 4 milhões para Luan Santana, a Lei Rouanet, o Vale Cultura, e a diferença entre dinheiro público e privado

A função do produto cultural não é educar, engrandecer, iluminar. Se fizer tudo isso, ótimo, mas o valor do produto cultural está em entreter. E já não é pouca coisa.

É claro que o contato com a cultura areja o espírito e o pensamento. Fundamental, visto que os impérios do futuro são os impérios da mente – opa, tirei o dia para tirar a poeira do meu livro de citações de Churchill.

Eu acho muito melhor dar o dinheiro direto na mão do peão lá que esse monte de leis de incentivo que só incentivam a produção comercial direcionada à classe média alta. Que  tem dinheiro próprio para ver os shows ruins que quiser.

Os números do Ministério da Cultura e do IBGE são assustadores. Li no jornal Metro de hoje:

– 86% dos brasileiros não vão ao cinema
– 1,8 é a média de livros lidos por ano
– 73% dos livros estão nas mãos de 16% da população
– 90% dos municípios do país não têm pelo menos um destes itens: cinema, teatro, museu ou espaços culturais multiuso.

Qualquer coisa que ajude a mudar isso tem meu apoio. Na esfera da cultura, dinheiro público deve ir:

a) diretamente para sustentar a produção de arte mais impopular, herética, experimental e estapafúrdia

b) para o bolso de quem mais precisa.

E fim.

 

fonte:r7

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