Evelson de Freitas/AE
“Manifestações: ‘É um debate que vale a pena fazer’, admite prefeito”
Em meio à onda de protestos contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo, o prefeito Fernando Haddad (PT) falou com exclusividade ao Estado e defendeu que a presidente Dilma Rousseff (PT) municipalize a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que incide sobre combustíveis, para subsidiar o transporte público e baratear a passagem. Juntamente com outros prefeitos, ele finaliza estudos para pedir a mudança à presidente. Já zerar a tarifa exigiria R$ 6 bilhões. Ele também afirmou que, por causa da violência, os protestos do Movimento Passe Livre surtiram o efeito contrário ao desejado. Haddad afirma que a presidente deve ser “cumprimentada” porque “inaugurou” a diminuição do valor dos transportes.
Como o senhor vê a repercussão do aumento da passagem, com protestos pela cidade?
Esse tema foi tratado em campanha e simplesmente nenhum candidato se comprometeu em congelar a tarifa, pela inviabilidade disso nos moldes em que o sistema é oferecido hoje. O compromisso que assumimos foi o de que nós não reajustaríamos a tarifa acima da inflação acumulada desde o reajuste dado pela administração anterior, que foi o que ocorreu. O reajuste foi de menos da metade da inflação do período.
Pelo menos seis cidades conseguiram baixar a tarifa. Quando São Paulo fará isso?
Nós fizemos muito mais que essas cidades, porque elas baixaram de R$ 3,30 para R$ 3,20. Enquanto todas as cidades aumentaram em janeiro para R$ 3,30, nós mantivemos a tarifa no mesmo patamar de 2011 até a edição da medida provisória. Ou seja, nós fizemos mais do que essas cidades.
O senhor já chegou a falar em municipalizar o imposto de combustíveis…
Eu sou favorável. Tirante aí os atos de violência completamente injustificáveis, eu penso que esse fenômeno relativamente novo tem um fundamento interessante, que dialoga com a questão da mobilidade urbana, da emissão de carbono, com a questão social. Apesar de estar dialogando com uma agenda importante, o movimento está defasado no que diz respeito ao debate público, porque os prefeitos já estão fazendo uma proposta concreta de subsídio à tarifa de ônibus a partir da municipalização da Cide, que é o imposto sobre gasolina. Essa proposta é mais avançada do que tudo que se discutiu.
Seria possível baixar a passagem?
Seria, depende do mix que você faz. Você teria uma situação muito favorável ao transporte coletivo e, na minha opinião, uma situação justa. Se fizesse um plebiscito, até os proprietários de veículos veriam vantagens nessa proposta.
Como a proposta foi recebida pela presidente?
Não foi apresentada para a presidente. Foi debatida entre os prefeitos.
O senhor se propõe a apresentar a proposta para a presidente?
Nesse momento, estamos em fase de estudos técnicos. É um passo tão arrojado que não deve ser desperdiçado.
Quando isso estará maduro para ser apresentado?
Acho que em alguns meses teremos as primeiras análises.
O que mais pode ser feito em curto prazo?
Acabamos de conseguir com a presidenta a desoneração de cota patronal, PIS e Cofins. Tem um projeto de lei tramitando no Congresso Nacional que amplia as desonerações, tem uma discussão sobre ICMS que incide sobre o diesel consumido pelo transporte público. Então, é uma agenda que interessa ao País.
É possível não aumentar a passagem no ano que vem?
Tem uma parte desse custo que o Município vai ter de honrar. Vai nos custar R$ 1,25 bilhão, quase dobrar o subsídio deste ano.
O senhor estuda não aumentar a tarifa em 2014? Ou o modelo correto é aumentar todo ano?
O modelo correto é botar essa discussão na agenda política porque ela é importante. Mobilizou a presidência da República. Então, é importante. É importante para o prefeito, para o governador e para o presidente da República.
Essa tendência de diminuir o valor das passagens pode ter algum impacto político em 2014?
Vamos ser justos com o governo. O governo federal desonerou toda a cadeia produtiva do transporte público. Agora, é uma reivindicação histórica do movimento social que a presidenta Dilma acolheu. Então, ela tem de ser cumprimentada pelo gesto de, no bojo das desonerações, incluir aquilo que mais afeta a vida do trabalhador.
Então se tiver impacto político é justo na opinião do senhor?
Não penso que tenha sido feito por cálculo eleitoral, tanto é que está sendo feito antes da eleição.
O movimento que tem feito protestos pede passe livre. Seria viável?
Isso é uma bandeira, mas o que está em discussão é a diminuição do peso da tarifa no custo de vida. É um debate que vale a pena fazer, de maneira civilizada.
É impossível zerar a tarifa?
Isso custaria R$ 6 bilhões. E qual é a fonte de financiamento de R$ 6 bilhões (custo do transporte em SP) ? Essa é a discussão séria que tem de ser colocada na mesa.
Anteontem, a manifestação acabou com depredação. O senhor está disposto a conversar com esse movimento?
O dirigente não pode se recusar ao diálogo, não é cabível na democracia.
O que o senhor pensa sobre como a manifestação foi realizada?
Em uma democracia, cabem manifestações de toda ordem, mas há um protocolo de civilidade que não foi observado. Mas, enfim, São Paulo é berço de manifestações.
Do jeito como aconteceu, surte algum efeito?
Eu penso que tem o efeito contrário ao desejado, acaba interditando o debate. A violência interdita, e não promove o debate.
O senhor acha justo o valor da passagem pelo serviço que é oferecido?
É um padrão praticamente nacional. Toda a Região Metropolitana está fixada nesse patamar, com percursos muito menores que os de São Paulo, que tem um bilhete único que te permite mais de uma viagem no período de seis horas.
Um transporte público caro é um mal necessário?
Caro para quem? Caro para o usuário? Precisa aumentar o subsídio para baratear. Mas o custo do transporte é compatível com o salário atual dos motoristas, com o salário atual dos cobradores, com o preço atual dos combustíveis. Nós tivemos um aumento em maio de 10% dos motoristas e cobradores.
O senhor vê como uma meta abaixar a passagem?
O fato de explorarmos possibilidades não pode me fazer fugir do meu programa de governo. Estou preparando o bilhete único mensal que vai fazer a tarifa unitária baixar porque, se você levar em conta que as pessoas vão usar mais o transporte coletivo, quando elas dividirem pelo número de viagens que fizeram vão perceber que vão pagar menos.
O senhor acha que até novembro será possível adotar o sistema do bilhete mensal, já que as empresas ainda precisam adaptar os ônibus?
Estamos cumprindo etapas. Estamos vencendo a etapa da licitação e, assinados os contratos, teremos condições. Está tudo planejado para isso.
E a negociação para o governo do Estado aderir ao bilhete único mensal com o metrô?
É uma decisão que compete ao governo do Estado. É muito bem-vinda a parceria e, para a população, seria uma grande notícia, porque é uma maneira de baratear a tarifa unitária.
Tecnicamente, o bilhete mensal é o mesmo bilhete sem essa integração? É possível, obviamente. Mas tudo será facilitado com a integração.
Até por causa da lei seca, há uma pressão para um transporte público de qualidade à noite. Como melhorar esse serviço?
Eu penso que o bilhete único mensal vai ensejar esse tipo de discussão – a partir do momento em que a demanda vai aumentar em horários alternativos. Hoje, a demanda existe nos horários de pico. Nos horários alternativos, não há tanta demanda, em função do fato de que as pessoas não têm recursos para pagar a passagem. A partir do momento em que esse custo está contemplado no bilhete mensal, vai acontecer em São Paulo o que acontece nas cidades europeias. Para um trabalhador, R$ 6,40 a mais para ele curtir a noite é caro. Mesmo que a atração seja gratuita. A partir do momento em que você disser ‘o ônibus está vazio, vai lá e usa’, a situação muda.
O sistema está preparado para os passageiros a mais?
Ele não vai aumentar nos horários de pico, vai aumentar nos outros horários.
Mas se o Metrô não entrar talvez os ônibus roubem passageiros no horário de pico…
Aí você pode aumentar frota. Se isso acontecer, vai ser bom para o sistema, porque capta recursos.
fonte:AE