Mario Bojórquez fala da poesia iberoamericana no FIP

Poeta e professor mexicano fala, em entrevista ao JC, sobre como a poesia em português e espanhol dialoga com a tradição ocidental

Em 1956, o mexicano Octavio Paz soltou no livro de ensaios O arco e a lira uma questão: “Qual a minha participação como poeta ibero-americano na tradição do Ocidente?” Localizar a poesia moderna dos países que falam português e espanhol dentro dos cânones sempre foi difícil. É para problematizar a historiografia da literatura ocidental que o poeta e pesquisador mexicano Mario Bojórquez, vem participar do Festival Internacional de Poesia do Recife, ministrando um curso sobre o assunto amanhã no Espaço Pasárgada. Ele ainda conversa com o curador do evento, Wellington de Melo, no sábado.

 

JORNAL DO COMMERCIO – Queria falar primeiro sobre seu curso. Como a poesia ibero-americana participa da cultura ocidental?
MARIO BOJÓRQUEZ –
O título do curso nasce de uma pergunta com que Octavio Paz começa o prólogo a suas obras completas no seu livro O arco e a lira; ele se pergunta: qual é a minha participação como poeta iberoamericano na tradicão do Ocidente? Como sabemos, O arco e a lira é um grande ensaio sobre o tema da poesia que mostra a essencialidade de duas teses fundamentais para o nosso século: a ideia de que o ser mora na poesia, de Martín Heidegger, e a da essencial heterogeneidade do ser, de Antonio Machado, através dos seus apócrifos ou heterônimos Abel Martín e Juan de Mairena, que quer dizer: somos sempre outro. Nós pensamos que a poesia iberomericana, para falar só do século 20, tem grandes poetas como o proprio Fernando Pessoa em Portugal, Federico García Lorca na Espanha, Pablo Neruda no Chile, Lêdo Ivo no Brasil e o próprio Octavio Paz no México, para fazer menção da alguns dos mais citados. O português brasileiro e o espanhol mexicano são os mais populares no número de falantes; são, por assim dizer, os grandes laboratórios das suas respectivas línguas, e desses países nasceram no presente século as maiores contribuições à tradição e à renovação dos discursos da poesia contemporânea. Brasil e México são as maiores potências das suas proprias línguas.

JC – O Brasil é um país, ao menos na literatura, isolado no português dentro da América Latina. A literatura brasileira circula pelo México?
BOJÓRQUEZ –
Eu creio que a literatura em português deveria ser muito mais conhecida no México, embora muitos dos seus autores circulem em tradução, tanto poetas como romancistas. Lembre-se da amizade entre Manuel Bandeira e Alfonso Reyes. A cada dia há um maior interesse em autores como Clarice Lispector, os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, Leminski, Ferreira Gullar, Affonso Romano da Santanna, e, noutro tempo, João Cabral do Melo Neto e Carlos Drummond foram mestres muito reconhecidos para as gerações passadas. Ao pensar na tese de São Paulo de Cabral de Melo Neto, de Poesia e composição, eu creio que o tema da composição já não tem tanto interesse como suspeitava Cabral, não é um problema formal de nosso tempo. As formas do arte são cada dia muito mais rápidas e complexas, os sistemas cibernéticos vão deixando muito mais perguntas que respostas, o que era o deseio do poeta chegou a nossas vidas: a internet ultrapassou a influência da rádio e da televisão. E a internet é um espaço livre do arte e da imaginação. No México, temos proposto uma posibilidade que nasce de um “ressentimento”, a poesia do ressentimento, de um voltar a sentir o mundo, quer dizer, as pessoas são a cada dia mais livres para participar do mundo, mas as corporações mercantilistas buscam uniformizar a vida da gente e desfazem a relação do homem com a natureza. Todos bebemos o nosso café sem cafeína, o adoçamos com um substituo do açucar, e o leite que usamos não tem lactose; não sabemos mais qual é o sabor daquele café de outro tempo.

 

JC – Você traduziu dois poetas que escrevem em português: Lêdo Ivo e Fernando Pessoa. Qual a importância de traduzir esses autores para o espanhol?
BORJÓRQUEZ –
Lêdo Ivo é um poeta muito traduzido para o espanhol, mas sempre em traduções ocasionais. Há poucas grandes antologias do poeta, só Estação Final, que foi publicada na Colombia e Espanha, é um panorama amplo da sua obra. Quanto a Fernando Pessoa, o nosso primeiro tradutor foi Octavio Paz e, o seguinte, meu mestre Francisco Cervantes. Eles só trabalharam uma parte, a mais conhecida do poeta português, e eu estou interessado nos outros Pessoas que são dezenas e existem em três línguas: Vicente Guedes, Maria José, Barão do Teive, Alexander Search, Jean Seul de Meleuret e outros.

 

JC – Você não foge das discussões estéticas sobre a literatura mexicana, decretando, por exemplo, a morte do neobarroco. Estabelecer um diálogo sobre as formas de se fazer poesia é importante para um poeta? É parte do objetivo da sua obra?
BOJÓRQUEZ –
Nós falamos do barroco no sentido de que, na América Latina, há um barroco essencial na nossa música, comida e forma de vida como um todo, somos barrocos mas não por um desenvolvimento continuado de uma tese de trabalho, como o que ocorreu na Europa do século 16; não é uma abstração estética, é uma realidade cotidiana.

 

JC – Vi uma coletânea sua sobre os 100 piores poemas de autores vivo no México. Como surgiu a ideia de fazer essa reunião? Pode-se aprender tanto com a poesia ruim como com a poesia boa?
BORJÓRQUEZ –
Eu sou professor de retórica, e os alunos perguntavan nas aulas: O que é um bom poema e por quê? Como poderíamos saber se estamos perante um bom poema? A revista Ciculo de Poesia (www.circulodepoesia.com), com que eu colaboro, se propôs a publicar este exercício. Buscamos não poemas maus, mas, sim, poemas um pouco piores do que o comum, especialmente aqueles de poetas que têm um prestígio nacional, premiados ou com uma carreira de importância. Mas é muito importante dizer que não é toda a obra desses poetas: são apenas poemas desgraçados de autores que têm outras obras que são valiosas.

fonte:jconline

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