Por Miguel Rios
Pode-se dizer que Xuxa tem um reinado de autovigilância. Vive a olhar no retrovisor. Ela completa 50 anos e está mais que na hora de parar de monitorar o que ela foi. Parar de se cobrar o que lhe cobram. De se desviar do que lhe atiram. Foi uma rainha do pornô soft. Foi, passou, ok, e daí? Mas, para ela, é fardo. Um problema quando não é, não foi, não será mais se ela não der ouvidos às bocas conservadoras.
Sua incessante busca em não somente negar, como apagar o passado, tem lhe custado paz, algo tão necessário, no mínimo que se possa conseguir, para gerir o reino de excessos em que vive. Excessos de adoração, riqueza e fama, que se tornaram também de isolamento, transformação, patrulha e pedradas. Goste ou não, ela se esforce a entender que ninguém é Xuxa impunemente.
Maria da Graça Meneghel virou uma Xuxa que nunca sonhou ser. Nem queria. Corre o comentário de que teria refugado ao primeiro convite para ser apresentadora de programa infantil. “Isso não dá futuro”. Enganou-se. E agradeça por ter investido no “erro”. Preparada não estava. Era a garota gostosona, loura, bronzeada, sapeca, que vivia metida em biquínis, na capa da Manchete e da Nova, fazendo caras e bocas ensaiadas.
Era a Xuxa símbolo sexual pela qual trabalhou e deu sorte. Por ser bonita, a eleita de Pelé, pela necessidade da mídia de alimentar o povo com deuses do momento, se tornou a mulher mais linda do país da última semana, que virou do último mês, meses, anos.
Os flashes foram espocando cada vez mais, os microfones se acumulando cada vez mais, ela sendo alçada mais e mais alto. Estava tudo muito bem, tudo no seu lugar, nem de longe se imaginava que aquela destinada a ser peitos e bunda, representante à altura da tesudez feminina, iria divertir e pajear o futuro do Brasil.
Deu-se a surpresa. Xuxa, de repente, não era mais apenas dos rapazinhos púberes e dos homens eternamente púberes. Era das crianças.
Xuxa chegou aos pirralhos no empurrão. Era o despreparo em meio a eles. Reclamava, brigava, destratava. Sem paciência e com abuso, ia levando a balbúrdia de playground que era o Clube da Criança. Ninguém acreditava que iria mais longe. Foi. Rede Globo, Xou da Xuxa, Dengue, Praga, Paquitas, He-Man, She-Ra, Marlene Matos. LPs, Ilariê, shortinhos curtos, xuquinhas no cabelo, baixinhos apaixonados, discos de platina. As bolsas de apostas ficaram de boquiabertas.
Dinheiro entrando a rodo, prestígio nacional e internacional, guinada na vida. As poses sensuais e os ensaios em Ele Ela e Playboy cessaram. Passou a maloqueira de botas e coxas de fora. Era a Xuxa babá que distraía as crianças pele manhã, que dava sossego às mães para terminar o almoço.
De sereia a fada. De sedutora a benfazeja. Uma imagem rediagramada como poucas para satisfazer o fetiche universal e coletivo de criar um trono para coroar alguém. Tipo rainha do basquete, da fossa, rei do futebol, da música, da coxinha.
Com o público a seus pés, o sucesso a estrondar, claro, vieram os críticos para destroçá-la. Xuxa passou a colecionar pechas. De rainha encantada a puta desencaminhadora da inocência infantil. A TV brasileira criou um ícone (talvez o maior) para o amor e para o ódio.
Aí Xuxa reforçou mais e mais ser outra Xuxa. A indústria exigia pureza. O comportamento dela mudava, a voz mudava, o corpo mudava. Mais cândida, mais entoada, mais esguia, menos carnuda. De Marilyn Monroe a Doris Day, com um sopro fashion de Cindy Lauper. Ainda hoje, Xuxa se adequa. Mais madura, mãe de adolescente, de namorado novo, está mais clássica, meio Grace Kelly, meio Charlize Theron.
Natural mudar. Com a maturidade, no geral, vem mais coragem. Contou abusos sexuais de quando era menina, jogou para fora em rede nacional no horário nobre, quiçá para se livrar de vez do entulho, com a certeza do que vinha depois.
E veio. O Brasil com o dedo em sua cara, lembrando-lhe de Amor Estranho Amor, da cena sexy com o menor e tudo mais que ela tanto peleja para sepultar, mas que em tempos de internet são encostos impossíveis de exorcizar.
Meio século e, se quiser, se der crédito à simbologia da data, chega a hora de mais mudanças e mais coragem. Quebrar o protocolo. Assumir que, sim, sem remorsos e sem rancor, foi aquela Xuxa dos anos 80. Desafiar os cães farejadores.
Tudo o que cheira a sexo atrai o nariz alheio, principalmente o empinado. Aquele que persegue, que rosna e late, que precisa reduzir quem quer que seja, principalmente um ídolo popular, para galgar a ilusória escadaria da superioridade, se mostrando paladino da moral e dos bons costumes.
É com esse nariz que Xuxa se assombra. Foi esse que ela implantou em si e contra si. E o qual precisa de uma rinoplastia urgente.